Seminário internacional discute projeto de alfabetização
indígena do MS
Duas
experiências de alfabetização indígena
desenvolvidas no Mato Grosso do Sul, envolvendo os índios
Guaranis e Cadiuéus, serviram de ponto de partida para a
discussão sobre o assunto durante o Seminário Internacional
de Alfabetização de Jovens e Adultos: Experiências
Ibero-Americanas. A relação dessas experiências
com questões mais amplas da política indigenista desenvolvida
pelas diversas esferas do poder público dão ao tema
um caráter bastante relevante.
A
experiência do Mato Grosso do Sul chama a atenção
pela distinção adotada em relação aos
dois grupos indígenas envolvidos. Enquanto os Cadiuéus
optaram por um programa de alfabetização em português,
os Guaranis optaram pela alfabetização na língua
materna. Segundo o antropólogo Giovani José da Silva,
da Secretaria Estadual do Trabalho, Assistência Social e Economia
Solidária, essa distinção foi definida em conjunto
com os índios e levou em consideração a situação
distinta em que ambos os grupos se encontram. Os Guaranis ainda
enfrentam problemas com a demarcação de suas terras
e, deste modo, a alfabetização em língua materna
visa reforçar a sua identidade e cultura. Para os Cadiuéus,
que têm as terras demarcadas, a alfabetização
em português visa proporcionar uma ampliação
das possibilidades de intercâmbio com os não-índios.
Para
a lingüuista Sílvia Lúcia Braggio, da Universidade
Federal de Goiás (UFG), todas as ações relacionadas
à educação escolar indígena, inclusive
a alfabetização, devem considerar o contexto bastante
crítico dos últimos 20 anos, em que as línguas
indígenas estão se perdendo a uma velocidade nunca
antes vista. Considerando que a perda da língua é
um dos elementos associados a um processo de extinção
dos povos e da cultura indígena como um todo, a pesquisadora
defende o estabelecimento de parcerias entre diversos pesquisadores
e atores envolvidos na educação indígena: "Nessa
área são imprescindíveis parcerias de lingüistas
com antropólogos, historiadores, geógrafos, matemáticos,
arqueólogos e, claro, com as comunidades indígenas,
os principais atores deste cenário, caso se pretenda, a partir
da sistematização do conhecimento indígena,
introduzir o conhecimento ocidental". Braggio completa que
só desta maneira é possível minimizar os conflitos
de visões de mundo diversificadas, criando-se um real processo
de interculturalidade. Deste modo, os projetos educacionais envolvem
uma complexidade que deve superar a aplicação de métodos
prontos e acabados, devendo ser vistos como processo e não
como produto.
Silvia
Braggio também afirma que ações de alfabetização
como esta devem ser analisadas tendo em vista sua inserção
em um conjunto de medidas capazes de dar suporte à preservação
dos povos e das culturas Guaranis e Cadiuéus: "As terras
indígenas, mesmo demarcadas, são usualmente invadidas
por posseiros, madeireiros, mineiros e fazendeiros, cortadas por
estradas, além de sofrerem o impacto de queimadas, construção
de hidrelétricas e hidrovias, por exemplo". Caso essa
realidade não seja considerada, Braggio conclui que os projetos
educacionais podem ser limitados. Deste modo, a alfabetização
em um idioma, com duração restrita, pode representar
apenas um paliativo em um processo de perda das culturas indígenas.
Capacitação
Segundo o site do Ministério da Educação (
www.mec.gov.br/acs/asp/noticias ), para iniciar o trabalho de alfabetização
dos adultos guaranis, o governo de Mato Grosso do Sul preparou,
no ano passado, 25 professores indígenas, que estão
dando aulas na língua materna para 10 turmas, nas aldeias
dos municípios de Dourados, Caarapó e Amabai. O processo
de alfabetização deve durar mais de seis meses porque,
segundo afirmou Giovani da Silva, a literatura em guarani ainda
é rara, o que exige que os professores tenham de construir
o material didático junto com os alunos. O tempo usual dos
programas de alfabetização de adultos do Governo Federal
é de três meses. Para os Cadiuéus, que falam
o idioma guaicuru e habitam a região de Porto Murtinho, a
secretaria montou uma turma de 30 alunos e treinou professores indígenas
para lecionar em português.