Pesquisa relativiza políticas de proibição
às drogas
A
compreensão da violência gerada pelo narcotráfico
passa pela análise do atual modelo de combate às drogas
ilícitas. É o que conclui o antropólogo Marconi
de Andrade, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da
Unicamp, em pesquisa que analisa a atual política de proibição
às drogas. Para ele, os problemas relativos à circulação
e ao uso de substâncias classificadas como ilegais estão
estreitamente relacionados, mas, em parte, são tratados pelas
autoridades como se fossem fenômenos independentes.
"O
principal responsável pelo perfil atual de produção
e distribuição de drogas é o próprio
modelo adotado para lidar com o que se convencionou chamar de problema
das drogas", afirma Andrade. Em seu o estudo, o pesquisador
trata o tráfico e todas as questões a ele vinculadas,
inclusive o consumo em massa de drogas, como elementos determinados
histórica e sociologicamente.
Segundo
Andrade, os mecanismos brasileiros de luta contra a produção
e consumo de drogas estão de acordo com a política
de proibição definida pela Organização
das Nações Unidas (ONU). A esse conjunto de diretrizes
internacionais, que procuram lidar com determinadas substâncias
de efeito psicoativo, o antropólogo dá o nome de "modelo
proibicionista".
Em
seu estudo, o pesquisador afirma que o "modelo proibicionista"
gerou um movimento de oposição, que é o próprio
crime organizado em torno do tráfico de drogas. Esse processo
histórico deu origem ao atual sistema formado, de um lado,
pelos agentes dedicados ao combate às drogas e, de outro,
por agentes que promovem a produção e circulação
destas substâncias. "As relações entre
estes agentes estão permeadas de ambigüidades - ora
cooperam, ora lutam entre si", explica.
Para
analisar o cenário de transformações do "modelo
proibicionista" brasileiro, Andrade estudou dois episódios
relativos à questão das drogas, que tiveram como palco
o Conselho Federal de Entorpecentes (Confen), órgão
estatal cujas atividades foram encerradas em 1998, no âmbito
do Ministério da Justiça, sendo substituído
pela Secretaria Nacional Antidrogas (Senad).
Um
dos casos estudados ocorreu em 1985, data em que a portaria 02/85
do Ministério da Saúde incluiu na lista das substâncias
de uso proibido a Banisteriopsis caapi, uma das plantas que compõem
o chá ayahuasca, substância alucinógena utilizada
em rituais religiosos. O outro caso diz respeito ao ano 1989, quando,
na cidade de Santos, foram geradas diversas polêmicas entre
a polícia e os órgãos de saúde locais,
por ocasião do anúncio de um programa de distribuição
gratuita de seringas descartáveis para a prevenção
do contágio pelo vírus da Aids entre os usuários
de drogas injetáveis.
A
partir dos documentos sobre esses dois episódios, Andrade
analisou como se reproduz e se mantém a atual política
de proibição às drogas. Nesses documentos,
o pesquisador pontua que é possível observar diferentes
concepções relativas ao uso e à produção
de drogas, que colocam em perspectiva a lei, o conhecimento médico-científico
e a visão sócio-cultural sobre o uso de substâncias
entorpecentes. Nesses dois casos, Andrade informa que houve um avanço
com relação ao tratamento do usuário de drogas,
mas não em relação às leis que proíbem
a sua produção.
De
acordo com Andrade, no Brasil há possibilidades de mudanças
políticas quanto ao tratamento do consumo de drogas, mas
com relação ao tráfico de drogas as idéias
hegemônicas, de lastro internacional, continuam bastante sólidas.
"A produção e o consumo de drogas só aumentam,
e a criminalidade e a violência associadas a essas atividades
tornam-se cada vez mais graves. A opção pela proibição,
no entanto, ainda persiste como solução viável
para resolver o problema das drogas", sustenta o pesquisador.