Produto nacional à base de papaína remove cáries
sem uso da broca
Um
gel nacional à base de papaína, enzima presente no
mamão, promete diminuir o sofrimento nos consultórios
dentários. A solução amolece o tecido afetado
pela cárie e permite sua retirada por meio de curetagem,
sem necessidade da aplicação de anestesia. Lançado
em janeiro no mercado, o produto tem como vantagem o baixo custo.
O similar estrangeiro é quase sete vezes mais caro.
A
fórmula é fruto de uma pesquisa de dois anos, conduzida
pela cirurgiã-dentista Sandra Kalil Bussadori, professora
da Universidade Metropolitana de Santos (Unimes) e das Faculdades
Metropolitanas Unidas (UniFMU). Um composto com ação
semelhante, à base dos aminoácidos leucina, lisina
e ácido glutâmico, além de hipoclorito de sódio
(água sanitária), já havia sido desenvolvido
na Suécia e lançado há alguns anos no Brasil.
A
versão nacional, entretanto, é bem mais barata. Uma
bisnaga com 3 ml, suficiente para cerca de 60 obturações,
custa R$ 30, enquanto que o produto sueco está em torno de
R$ 200. "Minha mãe era nutricionista e sempre falava
das propriedades da papaína, que é capaz de amolecer
a carne. Como gosto de pesquisar, resolvi investigar sua ação
no dente", conta a pesquisadora.
Outro
princípio ativo do composto, numa proporção
bem menor que a papaína, é a cloramina, um antisséptico
derivado do cloro. O gel, batizado pela dentista de "Papacárie",
age somente sobre a proteína desnaturada, ou seja, o tecido
lesado pela cárie. Por isso, não há riscos
de lesões caso a solução atinja a gengiva,
a língua ou a bochecha. Tampouco existe possibilidade do
produto afetar a camada sadia do dente. A substância, inclusive,
é menos agressiva que o tratamento convencional. Como não
amolece a parte saudável, preserva mais o dente do que as
temidas brocas.
Ação
reduzida sobre dor
O produto tem ação reduzida ou, na maioria dos casos,
nula sobre a dor, segundo informou Bussadori. Por ter um pH mais
básico que o da dentina (camada que circunda a polpa dentária),
o gel não passa para os túbulos dentinários,
minúsculos canais por onde passam prolongamentos nervosos,
presentes nessa região. O paciente não tem a sensação
dolorosa, a não ser que a polpa fique exposta. A broca, por
sua vez, destrói a dentina indistintamente, podendo atingir
os túbulos dentinários e as terminações
nervosas, causando dor.
O cirurgião-dentista Luís Felipe Seabra Teixeira,
do Posto de Saúde Dr. Nascimento Gurgel, no Rio de Janeiro,
vê a novidade com otimismo. Ele ressalta, porém, que
o gel só vai agregar benefícios se trouxer rapidez
ao serviço. "O custo de hora clínica é,
freqüentemente, mais importante que o dos materiais usados
no processo restaurador", explica Teixeira.
O
produto foi testado in vitro (em tecidos biológicos)
durante o ano de 2001. Hoje, já há resultados clínicos
sob acompanhamento por mais de um ano. É preciso lembrar,
entretanto, que o gel só funciona sobre o dente, portanto,
é mais aplicável a cáries primárias.
Em casos de reincidência, é preciso remover a restauração
antiga, e esse procedimento normalmente é feito com a broca.
Bussadori fez uma parceria com o laboratório privado, que
hoje comercializa o composto. O lançamento foi feito no 20o
Congresso Internacional de Odontologia, entre os dias 25 e 29 de
janeiro, em São Paulo (SP). A pesquisadora, que pretende
investigar as aplicações da papaína na periodontia
(gengiva) e na endodontia (canal), espera que o gel permita que
a população carente tenha um maior acesso ao tratamento
dentário.