Europeus criticam ausência de financiamento público
para pesquisa básica
Abaixo-assinados, ameaças de greve e outras formas de luta
têm eclodido em vários países europeus em torno
de questões que envolvem ciência, tecnologia e educação.
Em vários casos, busca-se responsabilizar o Estado pela investigação
científica e impedir tanto a privatização dos
financiamentos, como cortes, congelamento ou precarização
das contratações nas universidades e centros de pesquisa.
O exemplo mais recente é o dos coordenadores de equipes de
pesquisa na França, que prometem uma demissão coletiva
de suas funções no próximo dia 9 de março,
caso as reivindicações lançadas no dia 9 de
janeiro deste ano, por meio da carta
aberta ao governo francês ("Sauvons la recherche"),
não sejam atendidas.
Os pesquisadores reivindicam o repasse imediato dos financiamentos
atrasados de 2002, o aumento do número de vagas para a contratação
de jovens pesquisadores, a preparação de reuniões
nacionais de pesquisa que reativem o sistema de pesquisa e desencadeiem
uma política plurianual para oferecer perspectivas de recrutamento
e carreira atrativas para os jovens pesquisadores. A carta aberta
já conta com a assinatura de 56.440 pesquisadores.
Os
pesquisadores franceses expressam assim seu descontentamento e sua
preocupação com os rumos do financiamento da pesquisa
e acusam o Estado francês de asfixiar financeiramente a pesquisa
pública, denunciando que 50% dos financiamentos de 2002 para
o Centro Nacional de Pesquisa Científica (Cnrs), não
foram repassados. Além disso, os pesquisadores reclamam da
redução do número de contratações
de novos pesquisadores. Citam como exemplo, o caso do Instituto
Nacional de Saúde e Pesquisa Médica (Inserm), que
em 2002 teve 95 recrutamentos, e para 2004 tem previstos apenas
30. Segundo os pesquisadores, essa situação tem entre
outras conseqüências graves para a pesquisa, a fuga de
cientistas da França para outros países.
Outro
ponto relevante de "Sauvons la recherche", é a
denúncia de que o governo está relegando a segundo
plano a pesquisa básica em prol da pesquisa aplicada. Os
pesquisadores argumentam que "Os retornos úteis e rentáveis
vem e virão da pesquisa aplicada. Mas ela só pode
existir utilizando as novas ferramentas e os conceitos criados pela
pesquisa básica". Reivindica-se na carta que o financiamento
público da pesquisa seja uma responsabilidade central do
Estado, que não deve ser transferida para o setor privado
ou estruturas internacionais, mesmo que alguns pesquisadores utilizem
complementos de financiamento dessas fontes. Entre as exigências
do grupo de pesquisadores está a de uma política científica
conduzida de forma menos centralizada, em nível ministerial,
e mais transparente.
Reivindicações
semelhantes também estão sendo feitas na Itália,
onde os pesquisadores mobilizam-se contra a reforma universitária,
proposta pela Ministra da Educaçao Pública e Universidade,
Letizia Moratti, que entrou em vigência através de
uma medida provisória (Ddl) e está sendo aprovada
pelo Conselho dos Ministros. Assim como os franceses, os pesquisadores
italianos também elaboraram uma carta
aberta seguida de um abaixo-assinado. Eles criticam, entre outros
pontos da nova lei, a precarização do trabalho intelectual,
a forma de contratação (temporária) de jovens
pesquisadores e o corte de financiamento público associado
à obrigação de pleitear os recursos necessários
com a iniciativa privada. Para eles, essa forma de financiamento
tem como conseqüência a fuga de cientistas para outros
países e o foco de empresas sobre a pesquisa aplicada e sobre
áreas tecnológicas, em detrimento da pesquisa básica
e de áreas como as das ciências humanas.
Recentemente, o secretário nacional da Associação
de doutores e doutorandos de pesquisa italiana (Adi), Augusto Palombini,
notou como docentes e pesquisadores de muitos países tem
estado agitados nos últimos tempos. Ele cita o indicativo
de greve nacional dos profissionais de pesquisa e educação
na França, para o dia 12 de março, e as manifestações
por reajuste salarial na Grã Bretanha, do último dia
23 de fevereiro. Resta saber agora, quais serão os rumos
da reforma universitária no Brasil.