HQs
migram do papel para a Internet
Um
novo espaço para a veiculação das histórias em quadrinhos (HQs),
a internet, foi o tema da dissertação de mestrado
do pesquisador Edgar Silveira Franco, do Instituto de Artes da
Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), defendida no último
dia 27. Para o pesquisador, o uso da internet apresenta muitas
vantagens para as HQs - mas ele reconhece que no sistema digital,
o produto passa a ser outro: não se trata mais da história em
quadrinhos, mas sim do que ele denomina de HQtrônica.
A pesquisa de Franco é uma das primeiras da área, inovadora no
mundo todo. Segundo ele, que visitou mais de 300 sites de HQs
de todos os estilos de vários países, as HQs digitais brasileiras
- como o orientador de Franco, o artista plástico e professor
do Instituto de Artes da Universidade de São Paulo Gilbertto Prado,
prefere chamar este tipo de trabalho - estão no mesmo nível daquelas
produzidas na Europa, tanto em termos de conteúdo como no aspecto
tecnológico. Já as produzidas nos Estados Unidos são apontadas
por ele como mais ricas em efeitos especiais, mas trazem menos
conteúdo.
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Abertura
da HQtrônica NeoMaso Prometeu, de Edgar Silveira
Franco
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O
novo mestre é quadrinhista desde os 15 anos e arquiteto. Ao descobrir
o trabalho de HQs na internet, resolveu se dedicar a esse novo
universo, que ele próprio considera um misto de cinema, história
em quadrinhos, arte, literatura e RPG (Roll Playing Games).
Franco aponta, como principais vantagens da transposição da HQ
do papel para a rede internet, a redução dos custos de impressão
e distribuição do produto; a possibilidade de utilizar cores à
vontade - também sem a preocupação de reduzir custos ligados à
impressão, o que é e sempre foi uma questão importante para quem
produz histórias em quadrinhos - e a possibilidade de se introduzir
o elemento som à história, principalmente em substituição às onomatopéias
(figura de linguagem que representa sons - como os Pow!
ou Smack!, bastante utilizados nas HQs).
Prêmio
Menção Honrosa
A forma de lidar com o tempo é outro aspecto importante.
Franco compara as HQs tradicionais, o cinema e as HQtrônicas.
Nas tradicionais, o desenho e a escrita estão prontos e o tempo
de leitura é determinado pelo leitor. No cinema, a linearidade
do tempo é determinada pelo diretor/autor. Na HQtrônica, o autor
pode determinar a linearidade do tempo de acordo com o seu interesse
em destacar melhor determinada cena, mas o internauta também tem
a chance de se ater mais ou menos tempo em uma cena, nos balões
ou nos detalhes dos desenhos. Neste caso, tanto o autor como o
internauta podem imprimir o ritmo que acharem adequado à sua "leitura"
ou "navegação", podendo também escolher se preferem
ir para a frente ou voltar para páginas anteriores. Com isso,
Franco prefere não incluir diálogos sonoros nas histórias, porque
esses dariam ao quadrinho o ritmo da fala dos personagens, diferente
da leitura dos balões.
Entre as vantagens sobre a HQ tradicional, a HQtrônica permite
o acesso a outros documentos, sites ou outros quadrinhos,
o que enriquece a "leitura" - recurso bastante utilizado
por Franco em seus trabalhos.
As duas histórias apresentadas por Franco criticam os avanços
na área de biotecnologia e robótica, mostrando os personagens
ora divididos em aderir totalmente aos encantos da informática
ou das alterações genéticas, ora resistentes aos avanços dessas
áreas. A questão econômica ligada a essas novas tecnologias também
aparece quando, por exemplo, um dos personagens aproveita sua
condição financeira para adquirir órgãos desenvolvidos artificialmente,
para alimentar sua autoflagelação (no caso, prazerosa).
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Cena
de NeoMaso Prometeu: o personagem regozija-se com
sua própria dor de ter o fígado ferido.
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Este
trabalho, NeoMaso Prometeu, baseia-se no mito grego de
Prometeu, que, como castigo por ter roubado o fogo dos deuses
para entregá-lo aos homens, recebeu a pena de ter seu fígado
devorado todos os dias por uma água. À noite, seu
fígado se recompunha, e assim seu sofrimento não
tinha fim. Na versão de Franco, Prometeu sente prazer em
seu suplício. Por esta HQ, o pesquisador recebeu o prêmio
Menção Honrosa na 13º Videobrasil - Festival Internacional de
Arte Eletrônica, realizado de 19 a 23 de setembro deste ano.
A partir da próxima semana, NeoMaso Prometeu estará disponível
no site http://wawrwt.iar.unicamp.br/HQtronicas/index.html,
que está sendo reformulado por um grupo de artistas plásticos
do Instituto de Artes.
Do papel ao computador
A
utilização dos novos suportes imateriais para as artes plásticas,
substituindo os tradicionais tela, madeira e papel, teve início
a partir dos anos 70, pela nova realidade virtual do computador.
Segundo Gilbertto Prado, orientador da pesquisa de Franco, nesse
período iniciou-se também, por parte dos artistas, o uso de meios
e procedimentos de comunicação instantâneos, como o fax e, a partir
dos anos 80, as redes telemáticas.
No início, segundo Franco, os tecnófobos e pessimistas fixaram-se
apenas nas falhas para declarar o computador inútil para a criação
de quadrinhos. Atualmente, os computadores tornaram-se ferramentas
essenciais nos estúdios dos quadrinhistas e artistas os utilizam
para a criação de efeitos especiais, designers de tipologias
os usam para criar seus próprios alfabetos e grandes editoras
possuem departamentos voltados exclusivamente para a colorização
em computador. Franco lembra ainda que, mais recentemente, artistas
gráficos passaram a desenvolver seus trabalhos online,
em contato direto com outros artistas.
Com a popularização dos CD-Roms e da internet, os signos visuais
das HQs passaram a ser adaptados para essas novas mídias. No início,
porém (em alguns casos isso ainda ocorre), as tiras adaptadas
para o computador eram estáticas, sem utilizar recursos como som,
movimento e terceira dimensão. Os quadros eram apresentados um
a um, em interatividade com o usuário, que podia imprimir o ritmo
à sua leitura. Esta característica por si só já descaracterizava
o quadrinho, uma vez que, visitando um quadro por vez, a percepção
de mais de um quadrinho em um só golpe de vista, uma importante
característica das HQs, era perdida.
Segundo
Franco, "as inovações de linguagem ainda são tímidas, mas já são
um indício do que teremos em breve, pois as mudanças provocadas
pela interatividade, ou seja, as possibilidades de ação do leitor/internauta,
abalam a divisão tradicional entre aquele que faz e aquele que
consome histórias em quadrinhos".