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Entrevista
com Anselmo Salles Paschoa
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Lixo nuclear: falta
uma solução política
Resíduos
radioativos provenientes de usinas nucleares não são os únicos existentes,
nem necessariamente os que oferecem maior perigo. Basta lembrar do acidente,
em 1987, com as cápsulas de Césio 137 usadas em equipamentos hospitalares
em Goiânia. Entretanto, os resíduos de usinas são os que mais chamam nossa
atenção, talvez pela associação que fazemos com a produção de armamentos
nucleares, os principais responsáveis pela geração de lixo nuclear de
alta periculosidade.
Com a entrada em funcionamento
de Angra 2, que produzirá resíduos de baixa e média atividade, e a discussão
sobre a construção de Angra 3, cresce a preocupação com o destino desses
resíduos. Afinal, a lei que regulamenta a questão tramita há mais de 10
anos no Congresso e até hoje não foi regulamentada.
É o que critica o
físico Anselmo Salles Paschoa, professor titular do Departamento de Física
da PUC-Rio e ex-Diretor de Rádio-proteção, Segurança Nuclear e Salvaguarda
da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) (1990-92). Há mais de 20
anos trabalhando com energia nuclear, Paschoa afirma que o Brasil já tem
tecnologia adequada para construir e gerenciar repositórios definitivos
para resíduos radioativos de baixa e média atividade. No entanto, falta
ao país uma legislação clara sobre o destino e o gerenciamento do lixo
nuclear.
Anselmo Paschoa foi
um dos responsáveis pela decisão de construir um repositório definitivo
para os resíduos do acidente de Goiânia. No modelo adotado, o local onde
está enterrado o lixo virou também um parque, aberto à visitação pública,
com um centro de memória, onde se pode conhecer a história do acidente
e obter informações sobre energia nuclear e radioatividade. "Nas condições
corretas de armazenamento o repositório não oferece perigo de contaminação
e com a circulação de pessoas há mais garantias de que sempre haverá fiscalização,
pois o lugar não fica abandonado e, portanto, sujeito a acidentes", argumenta.
No entanto, segundo o físico, a tarefa política foi a mais difícil. "Na
época, fiz palestras em várias escolas, falei com autoridades; estive
inclusive pessoalmente com o governador do Estado para conseguir convencê-los
de que a proposta era viável e segura".
Nesta entrevista à
revista Com Ciência, Paschoa analisa a situação do lixo nuclear e da segurança
atômica no Brasil e fala também da situação de outros países, como Estados
Unidos, França, Japão e Rússia.
Com Ciência:
Qual o destino dado atualmente aos resíduos das usinas de Angra e quais
as perspectivas para o futuro?
Anselmo Paschoa: No Brasil todo o combustível usado até agora está
contido em estruturas guardadas numa piscina de água purificada no próprio
sítio da região de Angra dos Reis onde se encontram os dois reatores nucleares
de potência, mais conhecidos como Angra 1 e Angra 2. Em países nos quais
o ciclo de combustível nuclear está implantado de forma completa, o combustível
usado é armazenado temporariamente em piscinas ou tanques de água purificada
por um período de no mínimo 150 dias, para que a temperatura inicial diminua.
Este armazenamento temporário é feito, em geral, no sítio do próprio reator,
para minimizar os problemas iniciais com o transporte, conforme ocorre
em outros lugares. No caso de Angra 2, ela só começará a gerar uma quantidade
significativa de rejeitos após sua primeira parada para a troca de combustível.
Até lá, se não houver incidentes de certa gravidade, não deve haver qualquer
problema com os rejeitos de baixa e média atividade. Entretanto, espera-se
que o planejamento tenha previsto a possibilidade de gerar rejeitos antes
da primeira parada da usina.
CC: Como a legislação
trata o problema?
AP: Ainda não existe uma legislação aprovada sobre repositórios
para os rejeitos radioativos e seria bom que o texto do projeto de lei
fosse discutido por especialistas, não só do governo mas também do meio
acadêmico, antes de sua aprovação final. O Senado poderia tomar a iniciativa
de convidar cientistas para examinar o texto. Será lamentável se a lei
sobre rejeitos não for exeqüível. O primeiro passo é, sem dúvida, ter
uma legislação moderna e adequada sobre o assunto. Em seguida, considero
fundamental que a Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) tenha a
autonomia necessária para regulamentar a legislação de modo a torná-la
aplicável ao caso brasileiro. Não adianta copiar uma legislação estrangeira
que não se coadune com a realidade nacional.
CC: Falando sobre
segurança, qual o risco de haver em Angra um acidente como o de Chernobyl?
O reator tem chance de explodir?
AP: Não. O "moderador" do reator de Chernobyl era grafite. Isto
faz com que tenha uma "reatividade" positiva. Como conseqüência, sobram
nêutrons para reações em cadeia. Se falta água de refrigeração o reator
não se desliga sozinho, tornando-o passível de explosão de vapor. O "moderador"
do reator de Angra é água, que também é usada como líquido refrigerante.
Como resultado, a "reatividade" é negativa e, faltando água, o reator
se autodesliga, evitando que haja explosão. Antes do acidente de Three
Mile Island, havia a possibilidade de explosão de hidrogênio, mas medidads
corretivas foram tomadas desde então.
CC: Qual a diferença
entre uma planta para fabricação de armamentos nucleares
e uma usina nuclear para produção de energia elétrica, em
relação à produção de resíduos?
AP: Os rejeitos provenientes de programas militares ligados à produção
de bombas, pesquisas e testes nucleares em países como os Estados Unidos
e a antiga União Soviética foram, de longe, os maiores produtores de rejeitos
nucleares que já surgiram até agora. Após o término da chamada Guerra
Fria, dificilmente o inventário da radioatividade e do volume de rejeitos
crescerá numa taxa comparável àquela em que cresceu nas últimas cinco
décadas. É difícil estimar o custo total para tratar de todo o rejeito
acumulado nos Estados Unidos em decorrência da Guerra Fria. Entretanto,
os números disponíveis até agora indicam para uma soma acima de 250 bilhões
de dólares nas próximas décadas. No Brasil o combustível nuclear
usado em reatores está submetido às salvaguardas nucleares nacionais e
internacionais, sob a responsabilidade da Comissão Nacional de Energia
Nuclear (CNEN), do ponto de vista nacional, e da Agência Brasileira-Argentina
para a Contabilidade e Controle de Materiais Nucleares (ABACC) e da Agência
Internacional de Energia Atômica (AIEA) no que tange a parte internacional.
CC: Como o senhor
compara as situações de Brasil e Argentina em relação à Energia Nuclear
e ao tratamento de seus resíduos?
AP: Estes dois países trocam grande quantidade de informações, de
modo que é quase certo que ambos estejam usando sistemas de tratamento
de rejeitos bem semelhantes. Os combustíveis usados nos reatores brasileiros
e argentinos estão sob salvaguardas nucleares, supervisionadas pela Agência
Brasileiro-Argentina de Contabilidade e Controle de Materiais Nucleares
(ABACC) e pela Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA). Assim,
não é possível usá-los para fins militares.
Situação
de outros países...
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