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A
Funai e o novo Estatuto do Índio
Roque de Barros Laraia
Biodiversidade
e Biopirataria na Amazônia
Ilse
Walker
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A
Funai e o novo Estatuto do Índio
Roque
de Barros Laraia é antropólogo e professor da Universidade
de Brasília. Com grande experiência em questões indígenas,
chegou a ocupar o cargo de presidente da Funai interinamente durante um
mês. Foi também presidente da Associação
Brasileira de Antropologia (ABA).
Nessa entrevista, Laraia traça
um painel das delicadas relações entre populações
indígenas, sociedade civil, a
Funai e o corpo acadêmico, que têm lugar na Amazônia.
Fala também sobre o novo Estatuto do Índio e das dificuldades
de superação da "tutela" dos indígenas.
Com Ciência- Como alguém que já exerceu inteirinamente
a presidência da Funai e como antropólogo, qual a sua opinião sobre
o Estatuto das Sociedades Indígenas?
Roque de Barros Laraia - Fui Diretor de Assuntos Fundiários da Funai
e o Dr. Marés [ex-presidente da Funai] nomeou-me seu substituto.
Após o seu pedido de demissão, por indicação do Sr. Ministro da Justiça,
respondi interinamente pelo cargo de Presidente, durante um mês. Em 17
de julho, o meu pedido de demissão foi deferido e saí da FUNAI. Quanto
ao projeto do Estatuto do Índio que foi enviado ao Congresso, considero
que houve um grande avanço em relação ao de 1973. Contudo, não participei
das discussões do mesmo, por falta de tempo. Mas durante a gestão do Marés,
foi organizado no interior da FUNAI um semiñário de lideranças indígenas
que discutiram exaustivamente o texto e apresentaram sugestões. Contudo,
o projeto tem encontrado resistência por parte de lideranças indígenas
que não querem abrir mão da tutela, acreditando equivocadamente que a
mesma lhes assegura plena imunidade.
Com
Ciência - O senhor considera que a atual formação dada aos antropólogos
é suficiente para a elaboração dos laudos antropológicos, importantes
para a demarcação de terras indígenas? Na sua instituição, a UnB, existe
algum preparo do estudante nesse sentido?
Laraia - A elaboração dos laudos pelos antropólogos é um fato novo
que ainda não foi assimilado pelos responsáveis pela formação dos antropólogos.
A formação atual dos mesmos não os torna aptos para a elaboração dos laudos.
A diretoria da ABA, recetemente, ouviu queixas feitas pelo Ministério
Público Federal com relação aos mesmos. Creio que o novo Presidente da
ABA, dr. Ruben Olivem tem projetos para atender esta demanda. Eu mesmo,
quando fui Presidente da ABA, organizei um Seminário sobre laudos, em
São Paulo, do qual participaram antropólogos e juristas importantes, como
o Prof. Dalmo Dalari, Carlos Frederico Marés e outros. Na Unb, estamos
pensando em criar uma disciplina sobre o assunto.
Com
Ciência - Como conciliar a pesquisa acadêmica do antropólogo com
sua frequente atuação militante em ONG's, ou até mesmo em funçoes dentro
de órgãos governamentais como a Funai?
Laraia - Trabalhar em ONGs ou realizar pesquisas acadêmicas é uma
opção legitima dos antropólogos. Alguns poucos conseguem conciliar as
duas tarefas, mas a maioria faz uma coisa ou outra. Dentro da FUNAI, os
antropólogos que lá trabalham, não tem tempo para a realização de pesquisas
acadêmicas. Quase todos trabalham na identificação e delimitação de terras
indígenas e o número de antropólogos do órgão é insuficiente para a tarefa
a ser executada.
Com Ciência - Recentemente, a antropóloga Dominique Gallois,
em entrevista à revista Parabólicas,
do Instituto Socioambiental,
defendeu a extinção da Funai por vê-la como instituição falida ("apesar
de contar com algumas pessoas bem intencionadas"). O senhor concorda
com essa posição?
Laraia - Nas duas últimas décadas, tenho ouvido falar com frequência
na extinção da FUNAI. Mas não vi uma proposta alternativa satisfatória.
Acredito mesmo que é necessário um braço do Estado para executar a política
indigenista. A minha experiência de nove meses na FUNAI mostrou que é
impossível a FUNAI funcionar com o orçamento ridiculo que têm e o número
exíguo de funcionários na ativa que possui: 2.500 para atender cerca de
570 terras indigenas, cujas superfícies somadas atingem 11% do território
nacional, o equivalente a duas Franças! O que falta é uma vontade política
de apoiar a FUNAI. Com certeza, toda a população "branca" de Roraima,
por exemplo, juntamente com todos os políticos, de todos os partidos,
apoiam a idéia de extinguir a FUNAI. O maior temor dos índios é que a
FUNAI acabe. Tem muita gente boa trabalhando na FUNAI, apesar dos salários
baixos e dos sacrifícios que o trabalho exige. Em um dia de maio, quando
eu era Presidente interino, cerca de 80 caiapós invadiram a FUNAI, expulsaram
os funcionários. Reuni com os líderes dos mesmos que me apresentaram 3
reinvidicações. A primeira era que a FUNAI continuasse a existir. Ela
necessita de mudanças, mas para extinguí-la é necessário que exista outras
propostas. No passado, falava-se muito em entregar a proteção dos índios
a sociedade civil, esquecendo que a sociedade civil é também composta
de posseiros, fazendeiros, garimpeiros, latifundiários, políticos e outras
coisas mais.
Com
Ciência - No mês passado, os Yanomami e os cientistas que já trabalharam
junto a eles, ganharam destaque na imprensa internacional devido às acusações
do jornalista Patrick Tierney sobre práticas anti-éticas e até mesmo genocidas
de um antropólogo e um geneticista norte-americanos. Como o senhor vê
o episódio? O senhor acreditanas acusações?
Laraia - Estou aguardando a publicação do livro de Tierney para depois
opinar. Antes disto, seria temerário dizer alguma coisa. Quem sabe, na
próxima reunião da American Anthropological Association, em São Francisco,
no final do mês, surja alguma coisa mais concreta. Mas é preciso frisar
que os cientistas acusados são americanos e não os brasileiros.
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