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Entrevista
Aziz Ab'Saber
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Questão
hídrica: necessidade de estudos e soluções mais eficazes
CC - Mas se há
tanta água no Brasil, por que estamos passando por problemas tão sérios,
como o racionamento de água da cidade de São Paulo?
Ab'Saber - Não basta verificar as condições de existência de águas
em função da natureza climática e da perenidade das drenagens. O problema
é mais sério. Trata-se da questão da distribuição de populações urbanas,
indústrias, e espaços agrícolas mais importantes, que precisam de água
natural e de água para realizar pivô para irrigação em terras mais secas,
tornando-as produtivas. Essa distribuição anômala faz com que falte água
em muitos lugares, sobretudo nas áreas metropolitanas. A grande São Paulo,
por exemplo, tem cerca de 17 milhões de habitantes, enquanto Cuba e outros
países têm por volta de 3 milhões. São Paulo, então, requereu, requer
e requererá tanta água, que é difícil pensar em uma solução adequada.
CC - Por que o
racionamento de água foi adotado? Quais os problemas que o Centro-Sul
enfrenta que levaram a essa medida emergencial?
Ab'Saber - As águas nessa região destinam-se a quatro campos: água
potável, água para fins industriais, água para serviços e limpeza pública
e água para atender ao período de estiagem - entre agosto e setembro.
Em função da grandiosidade espacial da região metropolitana e da exeqüibilidade
de recursos locais - cabeceiras e manaciais que são diversos, mas não
muito importantes -, toda a região está ameaçada. São Paulo nasceu na
cabeceira do rio Tietê, mas de repente a cidade estorou e até a Cantareira
corre perigo, devido à má administração e ao mal gerenciamento da serra
tombada. Pessoas ricas estão subindo de Mairiporã para a Cantareira, de
forma a olhar para São Paulo como se fosse um belvedere. No entanto, a
única vista que terão será a da poluição. O problema hídrico deixou de
ser uma questão associada apenas às taxas de precipitações, mas ao balanço
entre as precipitações e a quantidade de água necessária para manter a
população metropolitana, as indústrias, os serviços etc. Assim, São Paulo
vai buscar água em locais cada vez mais distantes. É o caso de águas em
regiões além-Cantareira, como Campinas, que já precisam capturar recursos
de Minas Gerais, pois as águas disponíveis nas regiões mais próximas já
foram capturadas pela Grande São Paulo. De modo geral, as capturas de
água foram feitas das aguadas da Cantareira e do Alto Rio Grande e nas
cabeceiras dos rios Pinheiros e Tietê. Mas isso é insuficiente para atender
às necessidades da metrópole. Estamos, portanto, em um impasse: temos
que buscar água além da bacia de São Paulo, mas muitos casos exigem altos
custos e energia para fazer a transposição de águas de terrenos mais baixos
para a cidade.
CC - O Sr. disse
certa vez que despoluir o rio Tietê é uma prática inviável. Por quê?
Ab'Saber - As águas que são fundamentais para abastecimento são poluídas
devido ao crescimento urbano caótico e envolvimento de algumas áreas de
represamento de água que deveriam doar água permanentemente para São Paulo
e, hoje, são poluídas antes de ser tratadas. O próprio tratamento tem
muitos problemas - excesso de cloro e outras substâncias, principalmente
no período em que as águas começam a secar - e a qualidade do recurso
cai muito. Sendo os afluentes poluídos previamente, é impossível despoluir
um rio como o Tietê.
CC - A situação
de emergência em relação à poluição de recursos hídricos é uma questão
apenas brasileira?
Ab'Saber - Em algumas partes do mundo a situação é até pior. Em certas
cidades da Europa ocidental, os chafarizes históricos tradicionais estão
soltando águas com espuma. Mas se levarmos em conta o volume de espumas
que sai do Tietê a partir do alto vale do Tietê até pouco depois da cidade
de Salto, tem-se um dos maiores valores de poluição hídrica do mundo.
São águas fora de qualquer possibilidade de uso. Isso ocorre porque a
drenagem tropical é muito densa e tem muitos córregos que estão entremeados
por vida urbana, favelas e bairros carentes etc, e recebem, então, uma
carga poluente que desemboca nos rios Tietê e Pinheiros.
CC - Como São Paulo
deve pensar o futuro para solucionar essa questão?
Ab'Saber - A cidade deve pensar em muitas estratégias para resolver
o problema. Água subterrânea é muito pouco. Serviria para um ou outro
lugar na bacia de São Paulo, oferecendo poucos metros cúbicos por segundo
de água. O lençol de água subterrânea mais importante hoje é o chamado
lençol Guarani, mas esse lençol começa bem para dentro da depressão periférica,
dirigindo-se à bacia do Paraná, ao oeste, o que é longe de São Paulo.
Talvez algum dia haja uma idéia tecnocrática de fazer perfurações no lençol
Guarani para trazer água a São Paulo sem grandes gastos de energia. A
situação é altamente preocupante e pede estudos permanentes e soluções
com hierarquia de prioridades.
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