Técnicas de montagem do cinema possibilitam inovações
no teatro
No início do século XX, o cineasta russo Serguei
Eisenstein fez um estudo que serviu de referencial não
só para a montagem de seus filmes, mas influenciou toda
a produção cinematográfica subseqüente
e até mesmo a linguagem publicitária que vigora
até os dias atuais. A análise das técnicas
de montagem do autor de filmes clássicos como Outubro
e O encouraçado Potenkin foi um dos referenciais
que o ator e pesquisador Eduardo Okamoto usou para desenvolver
a sua dissertação de mestrado O ator-montador, defendida
no último dia 16, no Instituto de Artes da Unicamp, e a
sua peça Agora e na hora de nossa hora, que tematiza
a problemática das crianças de rua no Brasil.
A
pesquisa de campo de Okamoto envolveu o material veiculado na
imprensa após a chacina dos menores da praça da
Candelária, no Rio de Janeiro, em julho de 1993, e o desenvolvimento
de atividades artísticas com menores carentes. O pesquisador
explica que a produção de Serguei Eisenstein foi
construída a partir do estudo de outro cineasta, Pudovkin
Kulechov, seu contemporâneo, cuja pesquisa mais conhecida
se consistiu na coleta da opinião sobre a projeção
de uma seqüência de imagens.
Kulechov
fez uma experiência em que utilizou três seqüências
de imagens. Primeiramente, mostrava-se um ator chorando. Em seguida,
em cada uma das seqüências, aparecia um prato de sopa,
a imagem de uma mulher morta dentro de um caixão e uma
criança brincando. Indagados sobre o significado das cenas
mostradas, os espectadores afirmaram que estavam impressionados
com a capacidade do ator de demonstrar, sucessivamente, o drama
de uma situação de fome, a dor pela perda de uma
pessoa querida e a ternura pela criança. A partir da exposição
das imagens e da opinião das pessoas sobre as seqüências,
o cineasta concluiu que a aproximação de duas imagens
gera, obrigatoriamente, um terceiro significado sobre aquilo que
foi mostrado, mesmo que uma das imagens seja idêntica. "O
estudo revelou o potencial do processo de montagem dos filmes
para construir significados junto ao público", afirma
Okamoto.
A
mesma estratégia de seqüência de imagens estudada
por Kulechov foi utilizada por Eisenstein no filme O Encouraçado
Potenkin. Em uma cena marcante do longa-metragem, por exemplo,
o cineasta alterna cenas de barcos de pescadores levando mantimentos
aos marinheiros rebelados no encouraçado e imagens de pessoas
em um porto, olhando para longe e acenando. O objetivo foi retratar
o apoio maciço de uma cidade a marinheiros rebelados em
um navio de guerra, porém superando as limitações
de recursos técnicos que tornavam impossível filmar
a cidade e o navio no mesmo quadro.
Okamoto
usou a mesma técnica de repetição de imagens
seqüenciadas na montagem de cenas teatrais, aliadas a variações
na fala do ator, para transpor aos palcos a situação
dramática dos menores de rua no Brasil. "Gestos e
ações do personagem eram repetidos com a intencionalidade
de gerar uma resposta do público, que é levado a
vivenciar de perto algumas das situações cotidianas
vividas pelos menores", explica o pesquisador.
O
recurso foi complementado pela utilização da "Mímeses
Corpórea", técnica de imitação
teatral criada pelo Núcleo de Pesquisas Teatrais (conhecido
com Lume), da Unicamp. Por meio dela, Okamoto desenvolveu o personagem
Pedrinha, um dos sobreviventes da chacina da candelária.
"A Mímeses Corpórea ajudou a sintetizar todo
o material pesquisado junto aos meninos de rua de Campinas, São
Paulo e Rio de Janeiro, desde a linguagem utilizada, até
as histórias de vida de cada um deles", afirma.
A
apresentação de uma peça teatral, juntamente
com uma dissertação, como resultado de uma pesquisa
de mestrado, representa uma inovação recente no
campo das Artes Cênicas. Atualmente, além da Unicamp,
somente a Universidade Federal da Bahia (UFBA) e a Universidade
de Brasília (UnB) adotam tal procedimento.