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Políticas curriculares superficializam
o conhecimento científico

Inadequação e deficiência de instalações, de equipamentos e materiais, precariedade das relações de trabalho, baixos salários, alta rotatividade de docentes e funcionários e formação deficiente de professores. Segundo a pesquisadora Dirce Pacheco Zan, esses são alguns dos reflexos no cotidiano das escolas, oriundos da crise no sistema de ensino que, somados às diretrizes e implementações das atuais políticas curriculares brasileiras, acabam construindo uma situação de simplificação e superficialização do conhecimento científico veiculado na escola. As constatações de Dirce estão presentes em sua pesquisa de doutorado, cuja tese foi defendida dia 02 de março, junto à Faculdade de Educação da Unicamp, sob orientação de Olga von Simson.

A pesquisa analisou as políticas curriculares brasileiras, confrontando documentos oficiais com o currículo efetivado no cotidiano da Escola Estadual Jardim Amanda II, na cidade de Hortolândia (interior de São Paulo), durante os anos de 2001 e 2002, no ensino médio. A pesquisadora explica que, a partir de 1998, começaram a ser produzidos no Brasil documentos para dar as novas diretrizes ou parâmetros curriculares do ensino médio. Para ela, essas diretrizes deixam claro que existem nos documentos oficiais, princípios do governo federal vinculados aos organismos internacionais, como Banco Mundial e Banco Interamericano de Desenvolvimento, que procuram, até certo ponto, incorporar demandas de movimentos sociais. (leia mais sobre o assunto em notícia).

Currículo conservador
Segundo a pesquisadora, a tentativa de assimilar essa demanda social a um projeto conservador de ensino, que busca observar as reduções de custos exigidas pelos próprios organismos internacionais, gera tensões perceptíveis no cotidiano da escola. O tema 'diversidade cultural', por exemplo, é uma bandeira de movimentos sociais, que aparece como tema transversal no ensino fundamental e como componente de várias disciplinas no ensino médio. "Esse tema costuma ser incorporado de forma simplista", afirma Dirce. Ela exemplifica que na escola avaliada na pesquisa, a preocupação com a diversidade cultural está presente muitas vezes de forma folclorizada, superficial e sem um aprofundamento nas questões locais daquela comunidade. "Existem alunos segregados, que não mantém diálogo com os docentes pela forma como são por eles rotulados. O currículo é feito no dia a dia da escola, e aí pouco se observam as questões de fato relativas a diversidade cultural", diz ela.

Outro ponto observado pela pesquisadora é a diminuição da carga horária das disciplinas das áreas de humanas no currículo escolar, com a justificativa de que as ciências humanas estão presentes em todas as disciplinas por meio dos temas transversais. Entre as novas diretrizes curriculares, a Secretaria de Educação do Estado de São Paulo definiu quantas aulas semanais deveriam ter as áreas disciplinares. Para Dirce, essa estratégia de diminuição da carga horária dificulta a formação de um aluno com uma visão mais crítica do próprio sistema de ensino e da sociedade.

Escola sob a lente dos alunos
Como estratégia de aproximação da visão dos alunos sobre o cotidiano da escola, Dirce constituiu um grupo de discentes que fotografou livremente a escola. A maior parte das fotografias feitas pelos alunos tem caráter de denúncia, seja do estado de má conservação da escola, a falta de preparo dos professores, ou sobre a utilização de drogas no espaço da escola, como o um dos alunos que descreveu a sua foto.

"Era pra ser uma horta .Começaram o trabalho, e inclusive nós alunos ajudamos no começo, porque estava valendo ponto em todas as disciplinas. Era uma forma de utilizar o espaço da escol e o que fosse produzido ali, eles pegavam e faziam a merenda pra gente só que abandonaram. Aí o mato tomou conta e o trabalho foi perdido e as horas de estudo que era pra estar aprendendo matéria dentro da sala. Foi tudo por água abaixo".(depoimento do aluno- fotógrafo)

Para a pesquisadora, o relato e a imagem do aluno dão indícios da falta de continuidade de projetos implementados na escola. "Isso é entendido por muitos deles como um descaso do poder público. A crítica com relação ao poder público é muito presente no discurso deles, e vista como estratégia perversa para retira-lhes o que acreditam ser uma das possibilidades para a superação de sua condição de exclusão", explica Dirce.

Segundo Dirce, a atual política busca estabelecer relações entre educação e desenvolvimento econômico do país, junto à ideologia difundida de que o esforço pessoal é determinante do sucesso profissional e social, o que é refletido no discurso dos alunos. Assim, Dirce enfatiza a importância da problematização da relação entre conhecimento e poder por parte da própria escola. E conclui: qualquer política de reestruturação curricular será pouco eficaz se não houver o envolvimento do professor que, segundo ela, é "aquele que de fato viabiliza e constrói o currículo cotidianamente", e se não se desvencilhar da racionalidade tecnocrática que a tem caracterizado.

Atualizado em 02/03/05
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