Conselho da UE envia projeto que institui patentes de software
no continente
O
No início de março, William Gates apareceu pelo
décimo primeiro ano consecutivo no topo da lista dos homens
mais ricos do mundo, publicada pela revista Forbes. Sua fortuna
pessoal, avaliada em US$ 46,5 bilhões, corresponde a quase
o dobro da do terceiro colocado (o indiano Lakshmi Mittal, dono
de US$ 25 bilhões). Mesmo assim a União Européia
(UE) resolveu dar uma ajudinha para Gates se tornar ainda mais
rico, dificultando a vida das pequenas e médias empresas
que disputam mercado com a Microsoft: no último dia 7,
o Conselho da UE enviou ao Parlamento a diretiva de patentes conhecida
como a "versão de 18 de maio de 2004", que harmoniza
e amplia o uso de patentes de software na Europa.
Desde
2002, o Conselho da UE vem gestando uma harmonização
das leis para os diversos países da União Européia
- atualmente, tribunais de diferentes países têm
regras distintas - e o texto de 18 de maio é a versão
mais dura e mais favorável às grandes empresas.
A diretiva deve ser votada pelo Parlamento Europeu num prazo de
três meses e, para ser rejeitada ou sofrer emendas, precisa
do voto de 367 parlamentares (a metade mais um do número
total de deputados: 732).
A
reunião do Conselho da UE que aprovou o texto foi bastante
conturbada. O próprio presidente do Conselho, Jean Asselborn,
ministro de relações exteriores de Luxemburgo, admitiu
que vários países eram contra a proposta, mas que
ela só foi adotada "por razões institucionais,
para que não fosse criado um precedente para outros processos".
Portugal, Polônia e Dinamarca estão entre os países
(outros não foram revelados) que foram contra a aprovação,
pedindo que o texto fosse discutido com mais profundidade. O Conselho
da UE é formado por comissários representantes dos
países membros. Em cada reunião, temática
estão presentes apenas um representante para cada país.
Cabe ao Conselho da UE propor as leis que serão aprovadas
pelo Parlamento.
O
modo como a reunião foi conduzida e a insistência
da presidência do Conselho em aprovar a diretiva de patentes
está sendo interpretada por ativistas de todo mundo como
um episódio que compromete a legitimidade da União
Européia. O Parlamento Europeu pediu, no último
mês, a reabertura da discussão sobre patentes de
software. O Conselho da UE negou o pedido e fez justamente o contrário,
aprovou o texto antigo.
"Não
consigo ver como é que os proponentes da Constituição
Européia ainda a podem apoiá-la com honestidade.
Este evento demonstra que algo está claramente podre na
cidade de Bruxelas no edifício do Conselho. Teria sido
muito mais fácil se essas regras simplesmente fossem descartadas
e substituídas por 'A Presidência do Conselho e a
Comissão podem fazer o que quer que desejem'", declarou
diretor da Fundação por uma Infra-estrutura de Informação
Livre (FFII, pela sigla em inglês), Jonas Maebe. Entidades
de todo o mundo, muitas delas ligadas ao software livre, iniciaram
uma campanha em que comparam a União Européia a
uma "república das bananas".
Os
marionetes da Microsoft
O polêmico texto de 18 de maio de 2004 foi redigido quando
a Irlanda, país com conexões muito próximas
com a Microsoft, ocupava a presidência do Conselho da União
Européia. O cargo era do atual ministro das Finanças,
Brian Cowen. Charlie McCreevy, que atualmente preside a Comissão
do Conselho da União Européia para o Mercado Interno,
foi ministro das Finanças do país até 2004
e é acusado de ser um "vassalo de Bill Gates".
"O poder do presidente de uma Comissão do Conselho
sobre o processo legislativo é imenso", afirma Florian
Mueller, membro da campanha pan-européia contra as patentes
de software.
A
Irlanda, que há vinte anos era um dos países mais
pobres da Europa, tem sido usada como uma espécie de paraíso
fiscal da Microsoft, porta de entrada para o mercado europeu.
O país cobra apenas 10% de imposto sobre os produtos da
empresa, que podem ser vendidos em todo o continente sem nenhuma
taxa adicional graças ao acordo comercial europeu. Ganham
a Microsoft e a Irlanda (que hoje tem a maior renda per capita
do continente), mas perdem todos os outros Estados europeus. Os
Estados Unidos, por sua vez, subsidiam a Microsoft e ajudam a
Irlanda, país com quem tem laços históricos,
ao cobrar impostos muito baixos.
Ameaça
aos pequenos
Atualmente, as patentes de software já estão em
vigor nos Estados Unidos mas, se forem adotadas também
pela Europa, deverão ser empurradas ao resto do mundo por
meio de acordos comerciais como os da Organização
Mundial de Comércio (OMC). O sistema norte-americano, similar
ao que está sendo cogitado para a União Européia,
permite diversos tipos de patenteamento. "Vender coisas fazendo
uso de rede por meio de um processador de pagamentos ou usando
um micro servidor e um cliente"; "vender coisas por
meio de redes de telefones celulares"; "distribuir vídeo
pela internet"; "o formato de arquivo '.jpg'";
"distribuir filmes pela internet", são exemplos
de patentes já concedidas pelo Escritório da Patentes
Europeu e que poderão agora ser aplicadas.
Com
elas, ficam ameaçadas as pequenas e médias empresas
e comprometida a competitividade do mercado de software. Pequenas
e médias empresas não têm condições
de enfrentar as custas judiciais de uma acusação
de violação de patente que, em geral, supera os
US$ 2 milhões. As grandes corporações, para
se protegerem de processos movidos por suas rivais, têm
obtido patentes indiscriminadamente - o que custa caro-, nem que
seja somente para obterem poder de barganha em uma disputa legal.