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Castells defende a liberdade de compartilhar e reflete sobre software livre

No final da década de 1990, Manuel Castells causou, senão uma pequena revolução, pelo menos uma grande agitação na sociologia mundial. Os três volumes de sua Era da Informação anunciavam novos tempos para o capitalismo mundial: uma sociedade globalizada, em rede, na qual a informação seria um dos principais elementos. Presente no último Fórum Social Mundial, Castells foi quase ofuscado pela presença do ministro-celebridade Gilberto Gil. Mas quem manteve os ouvidos atentos, pode ouvi-lo dizer que a informação, para ser distribuída de forma justa, precisa ser livre. O sociólogo relacionou a internet e os software livres, afirmando que ela não teria alcançado seu desenvolvimento atual se não se baseasse em protocolos abertos e livres. Defendeu também que a lógica da liberdade dos software livres seja aplicada em outros setores. Após visita ao Laboratório de Conhecimentos Livres do FSM - um espaço de experimentação e divulgação de tecnologias e mídias que se baseiam na idéia de conhecimento compartilhado - o sociólogo falou à ComCiência. Acompanhe a entrevista.


ComCiência: Queria uma opinião sua sobre o que viu no Laboratório de Conhecimentos Livres.
Castells:
Se alguém tem dúvida de que um outro mundo é possível teria que visitar esse Laboratório, neste Acampamento. Aqui se está experimentando, inovando, criando. Faz-se tudo entre amigos e pessoas que não se conhecem e passam a se conhecer nesta parte do mundo. Ninguém lhes dá ordens, ninguém os organiza e tudo funciona muito bem! Tenho certeza que o software e o multimídia que sai daqui é muito mais interessante e inovador do que o que é feito com os bilhões das corporações. Mas então nos perguntamos: o que fazem as corporações, já que elas não são estúpidas? E a resposta é que só o que elas desenvolvem sob o seu controle podem manter sob seu controle. Enquanto o que se faz aqui é livre para todo o mundo. Este Laboratório e o Acampamento simbolizam o que é o Fórum Social Mundial de verdade, ou seja, aqui se crê na capacidade de se criar e de se inventar novas regras de vida que sejam mais humanas.

ComCiência: Como alguém que já investigou as redes e criou o conceito de Era da Informação vê o crescimento do movimento software livre? E como você compara o movimento no Brasil e na Europa?
Castells:
Acho que não conheço o movimento brasileiro o suficiente. Sei que é um movimento muito ativo, um dos maiores do mundo. Não conheço muito de suas inovações tecnológicas então não vejo esse como um bom critério para analisá-lo. Além disso, não podemos esperar que surja sempre um novo Linux ou um novo killer app (programa aplicativo de ponta). É muito mais importante que cada grupo desenvolva o que necessita e que tudo vá se conectando. Mais do que grandes inovações são mais importantes milhões de pequenas inovações interconectadas e, nesse sentido, o movimento me parece muito forte, muito vital.
Acho que a principal diferença no Brasil é o governo, e isso precisa ficar claro. Este governo está apoiando o software livre. Não completamente, nem em tudo que se poderia, mas está realmente fazendo.
Outros governos também apóiam o software livre mas não o fazem como um princípio, em seus contratos, como uma operação em massa. Já este governo está realmente impulsionando o software livre e programas de inovação em software livre. Essa é a grande diferença. Podemos fazer tudo sem o governo, mas se ele ajuda - ou no mínimo não atrapalha - é algo bastante bom. O governo norte-americano tem atrapalhado, assim como o governo espanhol que, embora seja socialista e progressista, dá ouvido às companhias do cinema e da música, que têm um lobby muito forte.

ComCiência: E o que o governo espanhol tem feito?
Castells:
Atualmente, há uma modificação da lei de regulação da internet em curso que, criada pelo governo socialista, é mais repressiva do que a do governo de extrema direita. Isso não é má intenção e sim ignorância. Fora dos setores especializados, acredita-se que as idéias de liberdade do software livre seja algo exótico, uma cultura hippie. O movimento software livre precisa se esforçar mais para fazer o mundo ver por que o software livre é importante. É preciso falar com a sociedade e explicar, mesmo aos que não gostam de computadores, como o software livre é fundamental.

ComCiência: Você comentou com estranhamento a falta de apoio do governo espanhol. Há uma afinidade entre esquerda e software livre?
Castells
: Acho que o software livre é incompatível com corporações monopolistas, como a Microsoft. É também incompatível com governos repressivos que querem controlar a liberdade, sejam de direita ou de esquerda. Mas ele não é incompatível com a IBM, e ela não é um órgão revolucionário mundial. Nem é incompatível com governos democráticos, que querem desenvolver a criatividade dos jovens.
Mas eu não igualaria o software livre à esquerda. Ele é algo muito mais amplo. Seus valores são valores de transformação social e acho que mais próximo do anarquismo. As idéias que estão por trás do software livre acho que são anti-autoritárias e de liberdade. Para mim, essas idéias são revolucionárias. Mas cabe uma diferenciação da expressão política organizada da esquerda. O movimento software livre é mais amplo do que o movimento anti-capitalista e pode encontrar aliados no capitalismo. De comum, há as idéias de liberdade e eles estão dispostos a aceitá-la. Isso é muito revolucionário, pois, no fundo, os grandes poderes mundiais não estão dispostos a aceitar a liberdade.

ComCiência: Essa aliança, então, pode ter um prazo de validade?
Castells
: Eu diria que é uma aliança com o capitalismo inteligente e com os governos que aceitam a liberdade e a democracia na sociedade. Essa aliança pode gerar ideias de liberdade em todo o conjunto da sociedade. É o que descobriremos no futuro.

Atualizado em 22/02/05
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