Futuros antibióticos dependem de estudos de resistência de microrganismos
Não é novidade que o uso constante de antibióticos pode provocar o surgimento de bactérias resistentes. Porém, não existem estratégias para que a saúde pública continue a se beneficiar da eficácia destas drogas. No último dia 11, um estudo publicado no periódico científico The Lancet, comparou o uso de antibióticos em 26 países europeus com taxas de resistência bacteriana a estas drogas e constatou que, frente à diminuição no desenvolvimento de novas drogas e a sua administração desnecessária, caso não se estude e implemente estratégias profissionais e públicas efetivas para reforçar a prescrição adequada destes medicamentos, "perderemos o milagre das drogas do Século XX", alarmaram os autores do artigo.
O uso de antibióticos se mostrou mais intenso em países do Sul europeu, moderado no Leste, e baixo no Norte, sendo que a maioria dos países tem aumentado o consumo de drogas mais novas (que costumam ser ativas contra um espectro maior de microrganismos), diminuindo o uso das mais antigas. Herman Goossens e colegas constataram, no entanto, que os antibióticos mais recentes não oferecem melhorias substanciais em relação a outros já disponíveis no mercado. Dentre os países estudados, a França apresentou as maiores taxas de uso de antibióticos, seguida pela Espanha e Portugal. A Áustria, Alemanha e Holanda aparecem com as menores taxas.
A pesquisa utilizou dados de consumo de drogas disponíveis da Investigação Européia de Consumo Antimicrobial (ESAC, na sigla em inglês), projeto criado em 2001 pela União Européia com o objetivo de ser uma rede internacional de informação que permita obter dados comparáveis e confiáveis sobre o uso de antibióticos na Europa. A amostra utilizou dados de primeiro de janeiro de 1997 a 31 de dezembro de 2002, com o número de doses diárias definidas (DDD) para cada mil habitantes por dia e se restringiu a drogas de uso sistêmico (o corpo todo). Para efeitos comparativos, os autores da pesquisa, membros do Projeto ESAC, selecionaram informações referentes à resistência de antibióticos por três bactérias - Streptococcus pneumoniae, Streptococcus pyogenes e Escherichia coli - disponíveis em estudos ecológicos que calculam níveis de resistência de várias bactérias para diferentes grupos de antibióticos.
Os dados comparativos mostraram que as taxas de resistência bacteriana estão atingindo níveis alarmantes no Sul e centro da Europa, o que comprova as correlações de que altas taxas de consumo levam ao aumento da resistência. Geralmente, essas drogas são indicadas principalmente para cuidados primários de saúde e infecções do trato respiratório e costumam ser mais consumidas durante os meses de inverno.
Os
autores da pesquisa chamam atenção para os diferentes
usos de antibióticos nos países. Para um mesmo problema
respiratório, um médico holandês prescreve
antibióticos para resfriados ou gripes enquanto o profissional
belga classifica o mesmo problema como bronquite e, para tanto,
receita ainda mais antibióticos. Essa diferença
no uso desses medicamentos deve ser explicada, segundo Goossens
e colegas, pelas variações da infecção
na população, cultura e educação e
diferenças na regulamentação e disponibilidade
de escolha no mercado de fármacos. "Incentivos financeiros
devem encorajar os médicos a prescreverem antibióticos
que exercem menor pressão ecológica [menos chances
de provocar resistência] e têm maior custo-benefício
do que outros antibióticos", sugerem os pesquisadores
como medida para controlar o crescente consumo e custo de medicamentos
prescritos.
John Turnidge, do Hospital de Mulheres e Crianças da Austrália, e Keryn Christiansen, do Hospital Real Perth da Austrália, acreditam que o estudo desenvolvido pelos autores do artigo é efetivo, embora ainda incipiente. De acordo com eles, é importante que se incorpore informações sobre a proporção de indivíduos que estão expostos ao risco de resistência (a pressão para que uma bactéria se torne resistente ocorre inicialmente no indivíduo) e de crianças na população (um dos grupos que mais consome antibióticos), densidades populacionais (a maior concentração de pessoas permite que a resistência se espalhe mais rapidamente), efeitos de diferentes classes de drogas em diferentes espécies de bactérias, entre outros. "Refinar essa ferramenta de mensuração será um desafio", reconhecem os australianos.