Superação da pobreza e modos de fazer ciência
O
editorial da Rede de Ciência e Desenvolvimento (Scidev,
na sigla em inglês), publicado no último dia 24,
chama a atenção dos interessados na relação
entre ciência, tecnologia e a superação dos
problemas vividos pelos países do terceiro mundo. O artigo
focaliza a erradicação da pobreza no continente
africano e analisa os modos de fazer ciência, relacionados
aos programas de incentivo ao desenvolvimento de C&T
Na
visão do autor David Dickson, diretor e editor do site
Scidev.Net, cada vez mais vem se consagrando a idéia
de que ciência e tecnologia devem ter um papel chave na
amenização da pobreza. Na mesma direção,
o relatório de Jeffrey Sachs (Universidade de Columbia),
entregue no último dia 17 ao secretário geral das
Nações Unidas (ONU), Kofi Annan, enfatiza o investimento
em C&T como essencial para alcançar as Metas
de Desenvolvimento para o Milênio, estabelecidas pela
ONU para 2015. Outros dois exemplos elencados por Dickson são
a iniciativa do Banco
Mundial de ressaltar a importância de C&T na promoção
do desenvolvimento econômico e social em seus programas
de assistência, e o seminário que acontecerá
na próxima semana em Londres, organizado pelos governos
britânico e canadense para promover parcerias com países
da África.
Apesar de concordar com a potencial contribuição
do conhecimento científico e tecnológico para o
desenvolvimento, Dickson recomenda cautela no entusiasmo que se
cria, como se maiores investimentos nessas áreas gerassem,
automaticamente, progresso econômico e social. Ele descreve
como essencial as iniciativas e práticas de C&T receptivas
às necessidades locais e recomenda o cuidado para que práticas
ultrapassadas não sejam retomadas.
Entre
as práticas inadequadas, o editor da Scidev.Net
aponta a permanência de um conceito de sistema de inovação
concebido de maneira estreita e tecnocrática, que não
abarca dimensões sociais. Para ele, deve-se assegurar que
os programas de pesquisa e desenvolvimento levem em conta prioridades
locais e assegurem que os resultados dos programas alcancem os
níveis de pobreza da comunidade. "Sem formas de assegurar
isso e deixando os programas por conta própria, as forças
do mercado, que têm dominado a evolução dos
sistemas de inovação nos países industrializados,
não deixarão que se alcancem os objetivos propostos",
afirma.
Dickson
relaciona a estratégia adequada para o desenvolvimento
de programas de pesquisa com o "modo 1" de fazer ciência,
termo cunhado em trabalhos de sociólogos europeus, como
o de Helga
Nowotny, entre outros. Essa forma contrapõe-se ao modo
que vê a ciência como estando baseada em um modelo
linear que a liga à sociedade e à economia. Ao invés
disso, nesse modelo, a comunidade científica determina,
primeiramente, as prioridades de pesquisa, que é realizada
em universidades e instituições isoladas da sociedade.
Apenas quando se obtém resultados bem sucedidos é
que se inicia uma parceria com o setor privado, com a tarefa de
transformá-los em produtos úteis. Este é,
de acordo com o autor do editorial, o modelo sob o qual a infra-estrutura
científica da maior parte do mundo industrializado tem
sido desenvolvida, abrangendo desde o financiamento dos programas
de pesquisa até a estrutura de treinamento e os sistemas
de recompensa. O conceito central é o de excelência
científica baseado no reconhecimento de mérito e
originalidade assegurada por pares científicos.
Já "o modo 2" de fazer ciência compreende
o conhecimento científico como uma parte do sistema de
inovação que abriga muitas oportunidades de interação
mais ampla com a sociedade. As prioridades de pesquisa aqui são
selecionadas de acordo com prioridades sociais e econômicas,
de forma que, neste paradigma a ciência não é
tida como um fim em si mesma, nem valoriza o trabalho dos cientistas
pelo seu mérito intelectual, mas pelo seu potencial de
contribuição para as necessidades econômicas
e sociais da sociedade. Para Dickson, esse é o modelo mais
adequado para as necessidades da África, apesar do modo
1 ser ainda o mais presente no continente.
Apesar
da análise centrada no caso africano, as recomendações
de David Dickson vêm ao encontro de muitas preocupações
brasileiras e podem ser um alerta interessante para o direcionamento
de programas oriundos da destinação maior de verbas
orçamentárias para o Ministério de Ciência
e Tecnologia a partir deste ano (leia notícia
sobre recursos para C&T no Brasil em 2005).
Veja
também:
-
ONU quer usar a ciência na luta contra a pobreza (BBC
Brasil)