Incubadoras de empresas avançam no Brasil, mas ainda há
obstáculos
Na
presidência da Associação Nacional de Entidades
Promotoras de Empreendimentos Inovadores (Anprotec) desde outubro
do ano passado, José Eduardo Fiates falou à ComCiência
sobre os entraves para a criação e consolidação
de pequenas empresas no Brasil e qual tem sido o papel das incubadoras
de empresas na minimização de obstáculos, o
que leva a um aumento anual de cerca de 10% do número de
incubadoras no Brasil. A entrevista foi concedida durante a realização
do XIV Seminário Nacional de Parques Tecnológicos
e Incubadoras de Empresas, realizado entre os dias 10 e 12 de
novembro, em Porto de Galinhas - PE. (Leia mais em notícia)
ComCiência
- O número de empresas criadas a partir de incubadoras tem
tido, no Brasil, um aumento de mais de 10% a cada ano. Apesar disso,
os analistas continuam apontando uma baixa natalidade de empresas
e um alto índice de mortalidade. A que o senhor atribui isso?
José Eduardo Fiates - Uma grande deficiência na
fase de criação das empresas é a falta de um
suporte adequado para ajudar o planejamento e a estruturação
do negócio. Não há no Brasil uma cultura de
planejamento de negócio, o que existe em outros países
desde a educação básica. Além disso,
não dispomos também de um processo fácil e
permanente de capacitação de pessoas voltadas ao planejamento
e estruturação de negócios. Por último,
há a questão da burocracia no país para formalizar
um novo negócio. Não é um processo simples,
principalmente para uma pessoa sem experiência anterior ou
administrativa. E isso ocorre com pessoas de todos os níveis
sociais e de escolaridade. Quando se trata de um pesquisador, por
exemplo, que passou a vida toda trabalhando em universidades, em
laboratórios, trata-se de uma área completamente desconhecida.
Esse é o conjunto de entraves na fase de criação.
ComCiência
- E na fase de consolidação da empresa, quais são
as principais dificuldades?
Fiates - Nessa fase, o que se tem comprovado é que as
empresas têm dificuldade de entender e escolher bem o nicho
de mercado em que vão atuar e se não vendem, não
permanecem nesse mercado. O problema de crédito também
é sério. Dificilmente uma empresa é planejada
adequadamente prevendo as adversidades que poderão surgir
e que vão demandar capital de giro, capital de reserva etc,
e por falta disso acaba com dificuldades para se manter. Outro obstáculo
é o acesso ao conhecimento, seja sobre gestão, tecnologia,
marketing, o que, ao longo dos últimos anos, têm sido
tratado por entidades como Sebrae e associações comerciais.
Mas ainda é grande o número de empreendedores que
não procuram esses serviços e não têm
conhecimentos sobre administração de empresa, implementação
de negócio, o que se constitui em uma das causas de falências.
Hoje, segundo pesquisa realizada pelo Sebrae, divulgada em agosto
deste ano, 50% das pequenas empresas morrem ao final de dois anos
e 60% ao final de quatro anos. Pequenas empresas em geral. Mas o
índice de mortalidade das empresas incubadas é baixíssimo.
Cerca de 20% entre empresas incubadas e graduadas, que comparado
com os 50% de mortalidade geral é baixo. E 10% de mortalidade
das empresas já graduadas. Ou seja, se considerarmos que
o objetivo de uma incubadora é preparar a empresa para o
mercado, das empresas que passam pela incubadora, de cada dez, apenas
uma não consegue sobreviver no mercado, o que é um
índice baixíssimo.
ComCiência
- A incubação de empresas é então uma
forma de minimizar esses problemas, pelo menos da fase inicial,
de criação da pequena empresa. Mas ainda assim o índice
de natalidade é pequeno. Que medidas poderiam ser adotadas
para inverter esses índices?
Fiates - De fato, a taxa anual de criação de empresas
é algo que precisa ser avançado progressivamente para
garantir que as incubadoras tenham um papel cada vez mais importante.
Nesse sentido, temos sugerido às incubadoras que redimensionem
sua forma de atuação nos ambientes em que elas estão
localizadas, fazendo com que ofereçam um portifólio
maior, mais abrangente de serviços, fazendo com que elas
comecem a atender e atingir outras empresas do mercado, empresas
de arranjos produtivos locais, segmentos que já existem na
região, não obrigatoriamente as incubadas ou que saíram
da incubadora, mas outras empresas que estão no mercado e
que podem utilizar alguns serviços a serem oferecidos pelas
incubadoras.
ComCiência
- Um sistema de associação, como já é
feito por algumas incubadoras, como o Centro Incubador de Empresas
Tecnológicas (Cietec), em São Paulo?
Fiates - Exatamente, para se fortalecer. A incubadora tem resolvido
muito bem esse problema da criação da empresa, na
medida em que dá suporte à estruturação
do negócio e faz uma boa avaliação do plano
de negócio. E isso que ela faz para as empresas que entram
na incubadora, ela pode perfeitamente fazer para outras empresas
que já estão no mercado, num APL [Arranjo Produtivo
Local], num determinado cluster e assim por diante. Esta é
uma forma de ampliar a atuação das incubadoras para
fazer com que elas se tornem cada vez mais relevantes.
ComCiência
- E qual o papel do MCT e das FAPs nessa articulação
para ajudar a fortalecer o papel das incubadoras?
Fiates - O sistema MCT, que contempla CNPq, Finep, Fundos Setoriais,
sempre foi fundamental para o movimento de parques tecnológicos
e incubadoras de empresas. O movimento começou no Brasil
por uma iniciativa do CNPq, e nos últimos anos, particularmente
a Finep, com a estratégia dos Fundos Setoriais tem se tornado
ainda mais importante. Nós temos contado com o apoio do Sistema
Nacional de Ciência e Tecnologia, que está se articulando
também com os sistemas estaduais. O PNI [Programa Nacional
de Incubadoras] é o articulador, mas a seleção
de projetos têm sido feita por meio de editais. E recurso
é fundamental para capacitar incubadoras e parques, para
que possam cumprir essas várias missões, desde o atendimento
à empresa, até prospecção de potenciais
tecnologias, patentes etc, para gerar negócios. Outro tipo
de apoio é às empresas diretamente, às empresas
incubadas ou graduadas etc. Nesse âmbito foi lançado
o Pape [Programa de Apoio ao Pesquisador na Empresa], recentemente,
e antes os Fundos Setoriais já vinham apoiando o desenvolvimento
tecnológico de produtos e processos de empresas incubadas,
pelo CT-Petro, CT-Info, CT-Energ e Funtell. Em 2002 foram aportados
cerca de R$ 15 mil nas empresas inovadoras. Esse investimento do
Estado nas empresas é fundamental, principalmente porque
integra o setor acadêmico, universidades e laboratórios
e o setor produtivo. Essas empresas representam o mercado, são
elas colocarão o produto no mercado.
ComCiência
- O que o senhor diria em relação à desconcentração
das incubadoras pelo país?
Fiates - Essa desconcentração é resultante
de movimentos como o compartilhamento do conhecimento, por exemplo.
Na medida em que incubadoras já estabelecidas em diversos
lugares do Brasil colocam à disposição conhecimentos,
práticas e metodologias na área, isso facilita a implantação
de novas incubadoras em regiões mais isoladas. Além
disso, existem algumas ações dos parceiros e das entidades
de fomento no sentido de estabelecer valores mínimos a serem
aplicados, por exemplo na região Norte, Nordeste, Centro-Oeste
e isso tem gerado o surgimento de programas de incubadoras em todos
os estados do Brasil, o que não existia há algum tempo.