Juízes apontam problemas na Justiça que
estão fora da reforma do Judiciário
Com a recente aprovação da reforma do Judiciário no Senado Federal, medidas que visam a acelerar o andamento de milhões de processos que correm na Justiça brasileira devem ser promulgadas nas próximas semanas. Uma pesquisa divulgada pelo Centro de Estudos de Opinião Pública (Cesop), da Unicamp, revela a opinião de juízes de primeira instância (que, na maioria dos casos, realizam os julgamentos iniciais das ações) e de segunda instância (que julgam os recursos relacionados às decisões da primeira instância). Na avaliação deles, alguns fatores não contemplados na reforma seriam os responsáveis pela lentidão da Justiça, como a exploração por pessoas, empresas, grupos de interesses e pelo próprio Estado, da morosidade no julgamento de processos, principalmente aqueles relativos a causas tributárias.
Dentre o pacote de medidas aprovadas com o objetivo específico de acelerar o andamento dos processos do Judiciário, destacam-se a chamada súmula vinculante, que torna obrigatório aos juízes de primeira instância seguirem as decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) com relação a temas específicos. Neste caso, os juízes de primeira instância perdem autonomia, pois a sentença a ser emitida não poderá contradizer o que o STF já tiver decidido sobre uma disputa judicial semelhante. Outro ponto é a, que possibilitará ao STF deixar de julgar casos de repercussão geral interesse restrito, ou seja, só serão julgados pela instância máxima do judiciário casos considerados relevantes para a sociedade.
Embora a pesquisa divulgada pelo Cesop indique uma posição favorável dos juízes em relação a mecanismos destinados a reduzir as possibilidades de recurso aos Tribunais Superiores - 85,3% consideram positivo esse tipo de medida quando questionados especificamente sobre o problema da morosidade da Justiça - muitos dos fatores citados para tornar o Judiciário mais ágil foram deixados de lado pela reforma constitucional.
Opinião dos juízes
A Reforma do Judiciário foi tema do encarte Tendências da edição de maio da revista Opinião Pública, produzida pelo Cesop. Os dados foram extraídos de pesquisas realizadas pelo Instituto de Estudos Econômicos, Sociais e Políticos de São Paulo (IDESP) cuja Coleção de Pesquisas por Amostragem foi transferida para o Cesop em outubro de 2003. Uma das pesquisas, de abril de 2000, traz as opiniões de juízes de Primeira e Segunda Instâncias da Justiça Federal, Estadual e do Trabalho, em 11 estados da federação, a partir de uma amostragem constituída por 741 entrevistas.
A lentidão do Judiciário tem ocupado um lugar central nas discussões sobre o desempenho da Justiça no país. Para 70,2% dos juízes entrevistados, a insuficiência de recursos humanos e de materiais lidera o conjunto de fatores considerados responsáveis por essa morosidade. Os magistrados também mencionaram as deficiências do ordenamento jurídico, o formalismo processual exagerado, a forma de atuação dos advogados, a ineficiência administrativa, o mau funcionamento dos cartórios e a atitude passiva de juízes e outros operadores do direito em relação à morosidade do sistema judicial.
Em relação à insuficiência de recursos, citada como o elemento mais importante para explicar a morosidade do andamento dos processos judiciais, os destaques dos entrevistados foram o número insuficiente de juízes, a falta de informatização e a precariedade das instalações. No que diz respeito à atuação dos advogados, para 61,2% dos juízes entrevistados, o fator mais importante que explica a morosidade da Justiça é a "preferência por estender a duração dos litígios [disputas judiciais]". Dentre os juízes vinculados à Justiça Estadual, 64,4% aponta a "falta de preparo técnico dos advogados" como a mais importante explicação para o lento andamento da Justiça.
Um dos problemas citados diz respeito à utilização estratégica da própria lentidão da Justiça. Para os juízes entrevistados, muitas pessoas, empresas e grupos de interesse recorrem à Justiça para "explorar a morosidade do Judiciário". Essa prática é mais freqüente nas causas tributárias na Justiça federal, com 90,5%, e tributárias na Justiça estadual, com 88,6%. As causas menos apontadas na pesquisa seriam aquelas relativas à propriedade industrial, marcas e patentes, assim como as causas sobre direitos do consumidor e as de meio ambiente, todas com menos de 30% de respostas. O Governo (União, estados e municípios) também é acusado pelos juízes de recorrer à Justiça para retardar o cumprimento de suas obrigações judiciais.
Em tramitação no Congresso Nacional há mais de uma década, o projeto de reforma constitucional do Judiciário foi originalmente apresentado em 1992, pelo então deputado federal pelo Partido dos Trabalhadores (PT/SP) Hélio Bicudo. O projeto sofreu várias modificações, até ser votado na Câmara dos Deputados, em junho de 2000. Em seguida, foi enviada ao Senado Federal, no qual a reforma foi aprovada no último dia 17 de novembro. Segundo o próprio autor do projeto, as modificações durante o processo de tramitação foram tantas que, entre o primeiro projeto e o aprovado recentemente pelos parlamentares, praticamente não há semelhanças.
Conselho Nacional
Além da súmula vinculante e da repercussão geral, destinada a limitar as possibilidades de recursos nas instâncias superiores do Judiciário, outra medida polêmica aprovada pelo Senado foi a instituição do Conselho Nacional de Justiça, que deverá ser composto por nove membros do Judiciário, dois do Ministério Público, dois advogados representantes da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e dois cidadãos a serem indicados, um pela Câmara dos Deputados e outro pelo Senado. O objetivo do Conselho é exercer a fiscalização do poder Judiciário investigando, por exemplo, casos de corrupção que envolvam juízes. Mas o Conselho não poderá afastar e nem demitir nenhum magistrado envolvido em casos de corrupção.
Durante a tramitação do projeto da reforma, a proposta de criação do Conselho gerou divergências no que diz respeito à sua composição. Isoladamente alguns magistrados declararam-se publicamente contrários à presença de membros externos ao Judiciário, o que poderia ameaçar a sua autonomia. Segundo os dados da pesquisa divulgada pelo Cesop, 56,7% dos juízes são favoráveis ao Conselho Nacional de Justiça desde que este seja composto exclusivamente por membros do Judiciário, enquanto 24,5% declararam-se favoráveis à uma composição que inclua membros externos.