Políticas públicas privilegiam a diversidade étnica
A escola, uma das instituições da cultura européia
dominante que há meio milênio vêm entrando nas
comunidades indígenas, está se voltando cada vez mais
para a preservação e o fortalecimento das identidades
étnicas. Na primeira quinzena de novembro, duas medidas foram
tomadas pelo Ministério da Educação (MEC) com
vistas a elaborar políticas específicas para as comunidades
indígenas. No dia primeiro, a Portaria nº 52 criou uma
comissão especial para formular programas voltados para a
formação de professores indígenas em nível
superior e, duas semanas depois, uma reunião no MEC formava
outra comissão: a de Apoio e Incentivo à Produção
e Edição de Material Didático Específico
Indígena.
Um
dos objetivos desta última é valorizar, ampliar e
revitalizar, através de material didático, o uso das
línguas indígenas entre as comunidades de índios.
Essa comissão é formada por representantes da Organização
Geral dos Professores Tikuna Bilíngües, da Comissão
Pró-índio, do Instituto de Pesquisa e Formação
em Educação Indígena, da Universidade Federal
de Minas Gerais (UFMG) e da Fundação Nacional do Índio
(Funai).
A
UFMG leva para essa comissão a sua experiência no assunto:
através de sua editora, a universidade publicou em 2000 o
livro Shenipabu Miyui: história dos antigos, uma coletânea
de lendas indígenas contadas, escritas e ilustradas por índios
kaxinawá e realizada pela Organização dos Professores
Indígenas do Acre. São histórias como a da
Feiticeira Cega, do Relâmpago e do Trovão, da Arara
Misteriosa e da Origem dos Remédios da Mata, que aparecem
no livro em versões bilíngues: kaxinawá e português.
A idéia da comissão recém instalada é
que a literatura indígena de lendas e mitos de cada etnia
passe a ser estudada nas escolas de suas respectivas comunidades.
Como
são poucas as comunidades indígenas que ainda se mantêm
isoladas da influência da cultura dominante e o português
já se tornou a principal língua da maioria das crianças
de diversas etnias, a prioridade, no momento, é investir
na educação bilíngüe. Cartilhas como a
que foi produzida pelos próprios índios Guarani da
reserva indígena do Araribá, no interior de São
Paulo, podem servir de referência para a produção
de materiais didáticos específicos para cada comunidade.
Essa cartilha foi feita a partir de um projeto iniciado em 1998,
coordenado pelo lingüista Wilmar da Rocha D'Angelis, da Unicamp,
envolvendo o estudo do dialeto nhandeva da língua guarani,
falado no Araribá (leia notícia
sobre o assunto). "Com os programas de educação
bilíngüe, as comunidades começam a revitalizar
a sua língua e a recuperar a sua identidade cultural",
comenta Antônio Luiz de Macedo, da Comissão Pró-Índio
do Acre.
Outra
prioridade do MEC e das organizações voltadas para
as comunidades de índios é o aumento do número
de licenciaturas específicas para professores indígenas.
A Universidade Estadual do Mato Grosso foi pioneira ao oferecer,
em 2001, o primeiro curso específico de licenciatura do país
para cerca de 200 indígenas de 35 etnias. Mas segundo o Censo
da Educação Indígena de 2002, menos de 2% dos
professores indígenas tinham o 3º grau e 44% sequer
possuíam o ensino médio. Esse mesmo levantamento apontava
que apenas 54% das escolas indígenas utilizavam aspectos
da cultura do índio em seu currículo. As licenciaturas
específicas, além de aumentar a escolaridade indígena,
têm como objetivo o retorno do índio para sua própria
comunidade, onde atuará ou continuará atuando como
professor e utilizará aspectos da cultura de sua etnia em
sala de aula.
Pioneiros
Dos índios que se aventuram fora das aldeias para aumentar
sua escolaridade, não são apenas os estudantes de
licenciaturas que retornam à sua terra para atuarem como
professores indígenas. João Nonoy, que se tornou em
2003 o primeiro índio do Maranhão com graduação
em Direito (que ele cursou em Tocantins), retornou à aldeia
Krikati prometendo lutar por causas ambientais e indígenas.
E o Terena Rogério Ferreira, que é agrônomo
e está cursando um doutorado na Universidade Federal de Londrina,
voltou para o seu estado de origem, o Mato Grosso do Sul, após
completar os créditos obrigatórios de disciplinas,
com a intenção de desenvolver um projeto de sustentabilidade
em agricultura, educação e saúde para os povos
indígenas. "Atuar na defesa do meu povo é a prioridade
de sempre na minha vida", diz o índio Krikati, do Maranhão.
"Na cidade, se preocupam muito de forma individual, e aqui
[na aldeia] há uma união do grupo muito grande. Sabemos
que não somos só um. Devemos unir e buscar forças
um no outro", filosofa.