Os sentidos produzidos pelo telejornalismo
Quais são os efeitos e sentidos produzidos pela prática discursiva do telejornalismo brasileiro, pelos seus sites e manuais de redação? São questões como essa que têm norteado uma pesquisa que está sendo desenvolvida junto ao Instituto de Estudos da Linguagem da Unicamp. Entre outras questões, a pesquisa sinaliza que, apesar das várias pesquisas que apontam a parcialidade e não objetividade do jornalismo, persiste a construção dessa imagem pelos veículos de comunicação.
Para o estudo, a lingüista Érica Ramos Queiroz analisou o modo como os âncoras (que acumulam a função de editores-chefes) apresentam suas falas no Jornal da Rede Record, Jornal Nacional da Rede Globo, Jornal da TV da Rede Cultura, Jornal da Band da Rede Bandeirantes e no Jornal do SBT da Rede Sistema Brasileiro de Televisão. A pesquisadora também recorreu aos manuais de telejornalismo da Central Globo de Jornalismo (1985), ao Manual Geral da Redação Folha de S. Paulo (1984), ao Manual de Redação e Estilo O Globo e aos sites dos telejornais.
Queiroz explica que procurou compreender o funcionamento da linguagem tecnológica do telejornalismo, direcionando seu olhar para o silenciamento da autoria nos telejornais brasileiros, procurando compreender os excessos e as faltas dessa linguagem.
Ainda na análise dos telejornais, o estudo focalizou a representação do jornalista ancora como autor, que, de acordo com a lingüista, assegura maior credibilidade em relação aos espectadores menos atentos. Segundo ela, tal credibilidade é uma produção da própria mídia. "Procurei pensar como o telejornal e os manuais ensinam os jornalistas e apresentadores a se representar como uma figura de autoria e credibilidade", explica a autora da pesquisa. Para ela, os manuais normatizam um modelo de representação que apaga os vários sujeitos envolvidos na construção da notícia, colocando em evidência a figura do apresentador ancora.
No entanto, Queiroz lembra que a notícia é uma construção de vários autores, uma hierarquia de vozes, até chegar à versão definitiva autorizada pelo editor-chefe de redação. "Focalizei a autoria como um lugar em que se estabelece a coerência e um fechamento dos sentidos. A grande questão é o silenciamento e o apagamento da autoria no telejornalismo, que também é ensinado pelos manuais", afirma.
Estes apagamentos se dariam, de acordo com a pesquisadora, em função de coerções. "São apagamentos ético-políticos, pois modelos são impostos para silenciar, diz ela, complementando que o âncora, que no site se diz livre para editar e veicular o que é importante, é ao mesmo tempo autônomo e determinado por coerções, uma vez que ele fala a partir de um lugar onde o saber é institucionalizado.
A pesquisadora explica que nos sites, ao mesmo tempo em que há o apagamento da autoria, pela centralização dos efeitos de credibilidade na figura do ancora, também aparecem, de forma discreta, todos os sujeitos que estão na construção dessa notícia. "No funcionamento do telejornalismo vemos marcas de impessoalidade, mostrando os fatos como fatos, como se falassem por si só, como se ali não houvesse a visão do jornalista", diz. Já no caso dos sites, Queiroz observou que existem, inclusive, falas entre aspas desses jornalistas, o que enfatiza um marketing sobre seu próprio nome e a forma como apresentam o telejornal de forma crítica e pessoal.
Alguns resultados da pesquisa desenvolvida por Érica Ramos Queiroz foram apresentados no IV Encontro Internacional Saber Urbano e Linguagem - Giros na Cidade: Materialidade do Espaço", organizado pelo Laboratório de Estudos Urbanos (Labeurb), da Unicamp, nos dias 20 e 22 de outubro.
O evento, que promoveu o debate entre pesquisadores estrangeiros e de vários estados do Brasil, contou com 130 pessoas inscritas, com temáticas variadas. A coordenadora do evento, Rosângela Morello, avaliou o evento como um debate rico e muito intenso.