Registro 
              de patrimônios culturais imateriais não incentiva preservação
            O 
              Círio de Nazaré, celebração religiosa 
              que acontece em Belém do Pará, e o Samba de Roda da 
              região do Recôncavo Baiano, foram reconhecidos, no 
              último dia 5 de outubro, como patrimônios culturais 
              imateriais, pelo Instituto do Patrimônio Histórico 
              e Artístico Nacional (Iphan), ligado ao Ministério 
              da Cultura. Esse reconhecimento faz parte de uma nova orientação 
              na política patrimonial do Iphan, que pretende valorizar 
              as celebrações, práticas culturais, conhecimentos 
              e técnicas que as camadas mais populares reconhecem como 
              parte integrante do seu patrimônio cultural e da sua identidade. 
              
            Com 
              as novas inscrições, o Iphan contabiliza quatro registros. 
              Os primeiros realizados pelo Ministério da Cultura, em 2002, 
              foram a fabricação artesanal de panelas de barro, 
              em Vitória, no Espírito Santo - um ofício eminentemente 
              feminino repassado de mãe para filha há várias 
              gerações - e as expressões gráficas 
              e orais da população indígena Wajãpi, 
              do Amapá. No ano seguinte, a arte gráfica e oral dos 
              wajãpi recebeu da Organização das Nações 
              Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura 
              (Unesco) o título de obra-prima do Patrimônio Oral 
              e Imaterial da Humanidade.
             
              Historicamente, o Iphan sempre privilegiou o patrimônio que 
              remete ao passado colonial e à tradição ibérica. 
              A figura jurídica do "tombamento" e a valorização 
              do chamado "patrimônio de pedra e cal" caracterizaram 
              a política patrimonial do Estado brasileiro, desde 1930, 
              resultando no reconhecimento institucional de monumentos e da arquitetura 
              barroca de cidades como Ouro Preto, Recife e São Luís 
              do Maranhão. Com a idéia de patrimônio imaterial 
              e a instituição da figura jurídica do "registro", 
              surge a possibilidade de se atentar para outros tipos de patrimônio: 
              valorizar não só monumentos e edifícios mas 
              a memória social e as manifestações das populações 
              indígenas e afrodescendentes do país. Essa é 
              a novidade da política patrimonial: a possibilidade de se 
              valorizar as chamadas memórias étnicas.
            Condições 
              materiais
              A inscrição no Livro de Registro dos Saberes, das 
              Celebrações, das Formas de Expressão e dos 
              Lugares é apenas a primeira etapa prevista no Programa Nacional 
              do Patrimônio Imaterial. Além de inventariar e registrar, 
              a intenção do programa do Iphan é também 
              apoiar a continuidade das manifestações populares, 
              garantindo as condições sociais e materiais de transmissão 
              e reprodução das suas técnicas e conhecimentos. 
              Mas esse apoio vem se mostrando insuficiente: "O Programa prevê 
              sustentação e apoio material, o que não está 
              sendo cumprido. Por enquanto, a prática do Iphan se esgota 
              numa política de inscrição e registro que a 
              universidade já vem realizando há muito tempo", 
              afirma Alexandre Corrêa, antropólogo da Universidade 
              Federal do Maranhão. 
            Segundo 
              Corrêa, todo trabalho de etnografia produzido na pós-graduação 
              é um registro de bem cultural imaterial. A utilização 
              desse conhecimento poderia ser feita em projetos de extensão 
              universitária, o que permitira ao Iphan concentrar suas atividades 
              no apoio e na promoção cultural: "O que nós 
              precisamos é de uma política atenta para a circunstância 
              da vida dos artistas e mestres da cultura popular. A promoção 
              da vida destas pessoas é que resultará na verdadeira 
              preservação do bem imaterial", enfatiza o antropólogo. 
              
            A 
              melhoria das condições materiais para a produção 
              cultural foi o que motivou o pedido de registro do ofício 
              das artesãs do Espírito Santo. De acordo com Maria 
              Rodrigues, presidente da Associação das Paneleiras 
              de Goiabeiras, que conta com 102 associadas, o pedido de registro 
              junto ao Iphan foi feito para que "olhassem mais para a nossa 
              cultura de mais de 400 anos. Preservamos a mesma técnica 
              de modelar o barro, queimá-lo a céu aberto e depois 
              tingir a panela. Enfrentamos dificuldades para retirar o barro, 
              a casca da árvore do manguezal que utilizamos na tintura, 
              e para obter a lenha necessária para a queima das panelas. 
              Precisamos de ajuda para não deixar morrer esse trabalho", 
              enfatiza a artesã. Passados dois anos da realização 
              do registro, Alceli Rodrigues afirma: "até agora não 
              obtivemos nenhum benefício. Para nós, o registro perdeu 
              o seu sentido".
            Os 
              índios Wajãpi, por sua vez, elaboraram, de modo independente 
              do Iphan e da Unesco, um plano de valorização da cultura 
              wajãpi. Segundo Dominique Gallois, antropóloga do 
              Núcleo de História Indígena da Universidade 
              de São Paulo que, juntamente com o Museu do Indío 
              foram os parceiros dos wajãpi na solicitação 
              do registro junto ao Iphan, é necessário considerar 
              todo um histórico de encaminhamentos e interesses dos índios, 
              que resultaram no registro. Neste sentido, o registro faz parte 
              de um esforço maior da comunidade em estimular o interesse 
              dos mais jovens pelos conhecimentos orais e suas formas de transmissão, 
              dentre elas, a arte gráfica e a composição 
              de padrões kusiwar, utilizados para a pintura do corpo e 
              objetos. Os wajãpi enfrentam também dificuldades para 
              proteger seus padrões gráficos do uso indiscriminado, 
              por parte dos mais variados setores, para fins comerciais ou publicitários. 
              Neste contexto, Gallois acredita que o registro, para os Wajãpi, 
              seria "uma das estratégias para conseguir visibilidade 
              e assim poder contar com maior respeito das instituições 
              locais e nacionais". 
             
            
               
                 
                  
                    Folclore 
                      em discussão 
                      A questão dos bens da cultural 
                      imaterial e material serão um dos focos de discussão 
                      do XI 
                      Congresso Brasileiro de Folclore, de 19 a 22 de outubro, 
                      em Goiânia (GO). Além de conferências, 
                      mesas-redondas, oficinas, cursos e exposições, 
                      o encontro também terá intensa programação 
                      artístico-cultural, distribuída em dois festivais, 
                      com o intuito de desenhar um mosaico do folclore brasileiro. 
                       
                     
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