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Lesão resulta em avanços sobre
área responsável pelos sonhos


Uma equipe do Hospital Universitário de Zurique, na Suíça, fez uma descoberta após tratar uma mulher que havia parado de sonhar após um derrame. Através do monitoramento das ondas do cérebro da paciente enquanto ela dormia, os pesquisadores acreditam ter localizado a parte do cérebro onde os sonhos são criados. De acordo com o artigo, publicado este mês na revista Annals of Neurology, a descoberta sugere que a parte do cérebro afetada pelo derrame - uma área profunda do lobo ocipital, localizada na parte posterior do cérebro - é crucial para os sonhos.

A paciente de 73 anos perdeu a capacidade de sonhar, além de algumas funções do cérebro, a maior parte relacionada à visão. Antes do derrame, ela relata que sonhava três ou quatro vezes por semana. Ao analisá-la após o derrame, os médicos detectaram que a senhora havia sofrido um acidente vascular cerebral bilateral grave. O seu sangue foi impedido de irrigar, ainda que por breves momentos, esta pequena, mas importante região localizada na parte de trás do cérebro. Apesar de ter a visão totalmente recuperada após alguns dias, seus sonhos só voltaram cerca de um ano após o derrame e, mesmo assim, de forma menos vívida e intensa.

"Esses resultados descrevem pela primeira vez em detalhes o tamanho da lesão capaz de produzir perda de sonhos na ausência de outros déficits neurológicos. Assim, eles oferecem um ponto para mais estudos sobre a localização dos sonhos", explicou Cláudio Bassetti, coordenador do estudo. "Como são gerados os sonhos e para que servem são questões incertas nesse momento", diz Bassetti.

Sidarta Ribeiro, neurologista brasileiro e pesquisador da Universidade Duke, no estado norte-americano da Carolina do Norte, faz ressalvas à afirmação de Basseti. Ele acredita que é preciso distinguir sono de sonhos, e discernir tipos diferentes de sono: "Hoje sabemos muito sobre as duas principais fases do sono, e particularmente sobre a fase REM (em português, Movimentos Rápidos dos Olhos) que permite o aparecimento dos sonhos. Ambas as fases do sono estão envolvidas na consolidação de memórias e, portanto, têm uma função claramente adaptativa. Sabemos muito menos sobre os sonhos em si e, neste sentido, o Bassetti tem certa razão".

A perda da capacidade de sonhar, além de problemas na visão, como conseqüência de lesões de uma parte específica do cérebro, é chamada de síndrome de Charcot-Wilbrand. A síndrome é bem rara, especialmente nos casos onde não se verifica a presença de outros sintomas além da perda da capacidade de sonhar.

Sonhos e psicanálise
Os primeiros a descreverem essa condição, os neurologistas Jean-Martin Charcot e Hermannn Wilbrand, possuíam estreita relação com Sigmund Freud, o pai da psicanálise. Em 1885, Charcot foi mestre de Freud na escola Salpêtrière, em Paris, tendo um papel fundamental na formação do jovem Freud que, além de pesquisar a histeria, dedicou grande parte de sua vida ao estudo dos sonhos.

Ribeiro considera que os estudos de Freud são de grande importância para a compreensão dos mecanismos envolvidos nos sonhos. "A descoberta do resíduo do dia é fundamental, e está na base dos estudos de reativação de memórias durante o sono", explica. A idéia atual é a de que os restos diurnos [conceito utilizado na teoria psicanalítica para explicar elementos do estado de vigília do dia anterior ao sonho] refletem a reverberação, durante o sono, das memórias adquiridas ou ativadas durante o dia. "Em termos bem concretos, isto significa que padrões específicos de ativação neuronal são reativados durante o sono, reforçando as modificações sinápticas [transmissão do impulso nervoso entre neurônios] que geraram o padrão durante a vigília. Trata-se de um aprendizado por repetição, baseado na passagem recorrente de atividade pelas mesmas vias sinápticas", afirma Ribeiro.

O pesquisador afirma que a descrição de Freud a respeito dos sonhos, como sendo compostos de narrativas hiper-associativas, sujeitas à fragmentação e condensação das memórias, também é uma descoberta relevante.

"A idéia de que os sonhos são uma porta de acesso a todo o banco de memórias acumuladas ao longo de uma vida, ou seja, uma porta de acesso ao inconsciente também é uma contribuição de grande importância", comenta Ribeiro.

Para saber mais:

- Artigo de Sidarta Ribeiro Sonho, memória e o reencontro de Freud com o cérebro, publicado na Revista Brasileira de Psiquiatria em dezembro de 2003.

- Estudos vêm desvendando processo da memória

Atualizado em 27/09/04
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