A história das violações aos direitos humanos 
                cometidas durante a ditadura militar no Brasil está sendo 
                esquecida devido a uma política de reparação 
                que focaliza apenas a indenização das vítimas 
                e familiares dos mortos e desaparecidos. A afirmação 
                é da cientista política Larissa Brisola Brito Prado, 
                a partir de uma pesquisa que realizou sobre o tratamento que o 
                Estado brasileiro vem conferindo à questão das torturas, 
                desaparecimentos e assassinatos cometidos pelos agentes estatais 
                ligados à repressão durante o regime militar, que 
                se estendeu, no país, de 1964 a 1985.
                
                Para a pesquisadora, a Lei 9.140 - promulgada pelo governo Fernando 
                Henrique Cardoso em 1995 e que prevê o reconhecimento da 
                responsabilidade estatal por mortes e desaparecimentos políticos, 
                ocorridos durante a ditadura - mantém uma relação 
                de continuidade com a Lei de Anistia de 1979: a ausência 
                de investigações e revelações mais 
                profundas, assim como de punições de militares e 
                médicos envolvidos com mortes e desaparecimentos durante 
                a ditadura.
                
                Embora reflita a conquista de direitos e da cidadania civil, social 
                e política, a Lei da Anistia, aprovada em 1979, não 
                cedeu às reivindicações por uma anistia ampla, 
                geral e irrestrita impedindo, por exemplo, que as pessoas condenadas 
                ou processadas por homicídios praticados com motivação 
                política fossem contempladas. A Anistia de 1979 permitiu, 
                ainda, que os crimes praticados pelos agentes estatais ligados 
                à repressão - tais como torturas e assassinatos 
                - ficassem impunes. 
                
                Para a pesquisadora, essa impunidade só pode ser entendida 
                através do controle que os militares mantiveram sobre todo 
                o processo de transição democrática. "Tendo 
                em vista o crescimento da oposição ao regime, o 
                acirramento da crise econômica e a divulgação 
                de alguns escândalos envolvendo os militares com a repressão, 
                o governo começa a enfrentar uma crise de legitimidade 
                no início da década de 1970", afirma Prado. 
                A Lei de Anistia é criada neste contexto e para preservar 
                a imagem das Forças Armadas. A lei fazia parte de um projeto 
                de distensão do regime. 
                
                Os militares acionaram uma interpretação específica 
                da Lei de Anistia para impedir que fossem investigados, julgados 
                ou punidos pelos crimes cometidos. A legislação 
                previa anistia para aqueles que cometeram crimes políticos 
                e conexos a estes. Os crimes políticos, pela definição 
                instituída anteriormente na Lei de Segurança Nacional, 
                seriam aqueles de caráter subversivo, praticados contra 
                o regime militar. Utilizando-se da expressão 'crime conexo', 
                o governo conseguiu a extensão da anistia aos militares 
                e civis ligados à repressão, impedindo, assim, que 
                estes pudessem ser julgados.
                
                "Do ponto de vista jurídico, um crime conexo só 
                pode ser entendido em relação ao crime principal. 
                Os crimes cometidos pelos militares não poderiam, portanto, 
                ser interpretados como crimes conexos aos crimes políticos, 
                o que seria um paradoxo do ponto de vista da definição 
                criada pelos próprios militares". O paradoxo prevaleceu 
                e a impunidade foi mantida.
                
                Legislação atual
                A lei promulgada no final de 1995 reconhece a responsabilidade 
                do Estado pelos desaparecimentos e mortes ocorridas, entre 2 de 
                setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, em dependências 
                policiais ou assemelhadas. Além disso, também estabelece 
                a indenização dos parentes e cônjuges das 
                vítimas da repressão. Para a aplicação 
                da lei foi instituída, ainda em 1995, uma Comissão 
                Especial - formada por membros do governo, representantes dos 
                familiares dos mortos e dos militares -, incumbida da investigação 
                sobre restos mortais e da análise de pedidos de indenização. 
                Em 2002, o prazo de amplitude da lei foi estendido para 5 de outubro 
                de 1988, e, em 2004, uma outra alteração na legislação 
                foi feita com o intuito de contemplar as pessoas que cometeram 
                suicídios forçados e que faleceram em confrontos 
                policiais.
                
                As críticas em relação à legislação 
                - que não prevê nenhuma possibilidade de julgamento 
                ou punição dos militares envolvidos com a repressão 
                - se dissiparam na medida em que algumas reivindicações 
                dos grupos de direitos humanos e de familiares de mortos e desaparecidos 
                políticos foram atendidas tais como a criação 
                da Comissão Especial e a adoção integral 
                da lista de mortos, elaborada pela Comissão Nacional de 
                Desaparecidos Políticos (CONADEP). Segundo Prado, o atendimento 
                destas demandas, pelo Estado, resultou no estabelecimento de um 
                pacto entre governo e movimentos sociais e na consolidação 
                de um consenso em torno da política reparatória 
                implementada. 
                
                A conseqüência deste consenso, para a pesquisadora, 
                é que a idéia de reparação fica restrita 
                à indenização parecendo, assim, que a questão 
                está resolvida: "Outras possibilidades como a busca 
                da punição dos militares através de tratados 
                internacionais ratificados pelo Brasil tais como a Comissão 
                e a Corte Interamericana de Proteção dos Direitos 
                Humanos ficam em segundo plano", ressalta. Revelações 
                sobre as circunstâncias em que as violações 
                ocorreram, assim como os nomes dos agentes envolvidos nestas práticas 
                também estão sendo 'esquecidos'. "A legislação 
                reparatória atual aceita e mantém a interpretação 
                que foi dada pelo governo militar à Lei de Anistia: os 
                militares permanecem impunes", conclui a pesquisadora.
                
                A dissertação de mestrado intitulada Estado democrático 
                e políticas de reparação no Brasil: torturas, 
                desaparecimentos e mortes no regime militar foi defendida 
                por Larissa Brisola Brito Prado, no último dia 13, no Instituto 
                de Filosofia e Ciências Humanas, da Unicamp.