Ambientalistas
declaram inexistente a polêmica sobre "privatização"
Começou,
no início de agosto, uma polêmica sobre a possível
privatização de terras públicas na Amazônia
e que continua causando inflamadas manifestações.
O boato começou com o protesto de alguns militares e intelectuais
brasileiros contra um plano para "privatizar a Amazônia"
(em um total de até 50 milhões de hectares) que o
governo brasileiro estaria preparando na forma de um projeto de
lei elaborado pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA). Segundo
a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, durante a abertura da
Conferência Sul-Americana de Combate à Desertificação,
o projeto trabalha para evitar a grilagem de terra e qualquer tipo
de pretensão em relação à Amazônia
que não respeite a soberania. Muitas ONGs e movimentos sociais
que atuam na Amazônia também desmentiram o boato de
que estariam preocupados ou preparando protestos contra o projeto
de lei e declararam, ao contrário, participação
ativa na elaboração do projeto de lei.
O
secretário executivo do Grupo de Trabalho Amazônico
(Rede GTA) -
que reúne mais de 500 ONGs e movimentos na Amazônia
Legal e que participou do Programa Nacional de Florestas e acompanhou
as discussões sobre o projeto de lei do MMA - Fábio
Abdala, explica que a preocupação da entidade é
que "o processo de participação e de mobilização
das organizações sociais não sirva somente
para legitimação de um projeto de lei, mas que garanta
uma participação popular verdadeira nas discussões
e nas decisões legislativas". De acordo com ele, o projeto
de lei do MMA não é uma privatização
de terras públicas, uma abdicação do governo
na gestão dos recursos naturais do país, mas justamente
o contrário. "O projeto de concessões de terras
públicas para o manejo florestal", explica, "se
executado com o rigor necessário, pode representar uma alternativa
concreta à grilagem de terras na Amazônia, porque visa
resolver a falta de presença do Estado na região.
Nosso interesse é que o zoneamento seja feito de maneira
participativa, garantindo os direitos dos moradores. O atual projeto
de lei, que foi apresentado para a Casa Civil, indica essa necessidade".
Em
nota pública divulgada pela própria Rede GTA, se lê:
"entre janeiro e março de 2004, mais de mil entidades
populares e ambientalistas reuniram-se em diversos encontros para
contribuírem com o projeto de lei. O trabalho suprimiu do
texto original os privilégios concedidos a invasores de terras
públicas e [
], mais importante, exigiu garantias para
a concessão de exploração comunitária
para os moradores anteriormente instalados nas áreas públicas
[
] Nesse sentido, ainda resta entender os interesses em jogo
(fora e dentro do governo) na tentativa de distorcer o projeto em
uma 'privatização' da floresta, que já existe
à margem da lei, e não em uma efetiva 'nacionalização'
da Amazônia com justiça social, conservação
ambiental e, finalmente, desenvolvimento econômico".
O
projeto de lei visa o mapeamento de faixas de floresta que estejam
fora de unidades de conservação para exploração
sustentável de madeira, frutos, resinas plantas ornamentais
ou medicinais e outros recursos naturais. Os vencedores das licitações
teriam o direito de explorar os recursos naturais, mas não
ganhariam a propriedade da terra. A vantagem, de acordo com as declarações
do diretor do Programa Nacional de Florestas do MMA, Tasso Azevedo,
"é que hoje não existe um mecanismo sustentável
de terras públicas e agora passaremos a ter". Trata-se
de "consolidar a soberania nacional nesse território",
confirmou em declaração ao secretário de Florestas
e Biodiversidade do Ministério do Meio Ambiente, João
Paulo Capobianco. Segundo a ONG brasileira SOS Mata Atlântica,
não se trata de privatização, mas de "garantir
o controle público sobre terras públicas". É
justamente a falta da presença e do controle do Estado que,
até hoje, beneficiou grileiros e alguns setores da elite
brasileira, explica Abdala.
De
acordo com o jornal O Globo e outros meios de comunicação,
"os ambientalistas reagiram mal" ao projeto e já
estão se organizando para denunciar o perigoso plano. Pouco
serviu a declaração de Paulo Adário, coordenador
do Greenpeace na Amazônia, dizendo que a ONG acompanhou as
discussões sobre o projeto de lei, o qual, segundo ele, tem
a função de impedir grilagem, invasões e privatizações
ilegais e recuperar o controle governamental sobre Amazônia.
"É simplista", se lê no site
da organização ambientalista, "a utilização
do termo 'privatização' para caracterizar o projeto
governamental". A Amazônia, segundo a ONG, já
está em processo de privatização ilegal e internacionalização,
como parte de um movimento mais amplo de globalização
da economia brasileira. "Há indústrias madeireiras
e fazendeiros devastando a região de forma ilegal, invadindo
áreas públicas - protegidas ou não. Há
grandes empresas explorando os recursos minerais para exportação.
Há gigantes conglomerados nacionais e transnacionais, como
Cargill, Bunge, Maggi e ADM, envolvidas com a produção
ou comercialização de soja, suprimindo floresta",
denuncia o Greenpeace.
Gilberto
Alves da Silva, ex-subsecretário de Ciência e Tecnologia
do estado do Rio de Janeiro, em artigo enviado ao Jornal da Ciência,
comentou que essas organizações não podem ser
consideradas "porta-vozes dos ambientalistas no país"
porque "querem, para o entendimento de um leitor menos perspicaz,
gerar enormes lucros para seus próprios caixas, pois são
elas as fundadoras e controladoras do selo verde FSC [credenciados
pelo Forest Stewardship Council], em acordo tácito
com as grandes madeireiras internacionais".
O
general-de-brigada Paulo Studart, comandante da 1ª Brigada
de Infantaria da Selva, localizada em Boa Vista (RO), apesar de
declarar não saber muito profundamente sobre o projeto de
concessão de terras elaborado pelo MMA - e especificando
que não estava falando em nome do Exército - declarou
à imprensa que considerava "preocupante a política
de concessão de terras na Amazônia, que, ao meu ver,
significa uma abertura muito grande para uma região que já
se depara com inúmeros conflitos". O militar também
despertou preocupação quanto à questão
da "internacionalização da Amazônia".
Em seguida, o presidente do Clube Militar e ex-comandante Militar
da Amazônia, general da reserva Luiz Gonzaga Lessa, orgulhou-se
em declarar ao Estado de S. Paulo que também não
tinha lido o projeto, mas que, "em tese" achava "perigoso
licitar áreas públicas na Amazônia, ainda mais
para empresas estrangeiras. Será um risco desnecessário
que o País irá correr". Entre janeiro e março
de 2004, mais de mil entidades populares e ambientalistas reuniram-se
em diversos encontros para contribuírem com o projeto de
lei, que esta' agora tramitando na Casa Civil para discussão
e eventuais modificações.