Pesquisador 
              lança síntese da diáspora 
              africana na América Latina
              
            				
            				
             
              Destacar a importância política, cultural e social 
              dos afrodescendentes na história dos países latino-americanos. 
              Este é o objetivo do livro Afro-Latin America, 1800-2000, 
              escrito pelo historiador George Reid Andrews e publicado, recentemente, 
              pela Editora da Universidade de Oxford. O livro é a primeira 
              história geral da diáspora africana na América 
              Latina, desde a abolição da escravidão, nos 
              diferentes países, até o momento atual. A obra aborda 
              diversas formas de resistência à escravidão 
              - tanto as rebeliões e os quilombos, quanto formas mais cotidianas 
              tais como a lentidão no trabalho, a luta para constituir 
              famílias - a participação dos negros nas milícias 
              e exércitos, durante as guerras de independência, no 
              século XIX, as irmandades católicas, organizações 
              cívicas e culturais, clubes esportivos, jornais e partidos 
              políticos, criados ao longo do século XX, e movimentos 
              anti-racistas contemporâneos, bastante ativos no Brasil, Colômbia, 
              Uruguai e Panamá.
              
              Ao enfocar estas diversas formas de organização pelas 
              quais os povos afrodescendentes mobilizaram-se para consquistar 
              a liberdade e lutar pela igualdade e cidadania, Andrews busca destacar 
              o papel central que estas mobilizações tiveram na 
              transformação do cenário cultural, político 
              e social da América Latina. Neste sentido, os afrodescendentes 
              não só criaram muito daquilo que constitui a cultura 
              nacional em seus respectivos países - como o samba no Brasil, 
              a rumba em Cuba, o tango na Argentina e no Uruguai e o merengue 
              na República Dominicana - mas também participaram 
              do processo de reforma social e democratização política 
              da América Latina nos últimos 200 anos. Andrews enfatiza 
              que a história da diáspora africana na América 
              Latina é inseparável da história nacional de 
              cada um dos países da região - ela reflete a luta 
              da América Latina para escapar dos limites impostos pela 
              pobreza, o racismo e a extrema desigualdade social.
              
              Embora reconheça a miscigenação como um fenômeno 
              social característico dos países latino-americanos, 
              para Andrews, a ancestralidade africana sempre foi concebida, desde 
              o período colonial, como sinônimo de impureza e contaminação, 
              dando margem para estereótipos negativos dos negros e dos 
              mulatos. Para o autor, seria possível agrupar negros e mulatos 
              (ou pardos) numa mesma categoria - "afrodescendentes" 
              - marcada pelo compartilhamento da experiência do racismo 
              e da discriminação racial. "No Brasil, o IBGE 
              realizou alguns estudos baseados na dicotomia branco/negro, e já 
              ficou claro que, em termos estatísticos, os grupos pardo 
              e preto são bastante parecidos. Os pardos levam uma pequena 
              vantagem, mas eles, tanto quanto os pretos, sofrem uma marcada discriminação 
              e desigualdade racial", afirma o historiador. 
              
              No caso da América Latina, há disseminado um imaginário 
              que atribui uma herança "mais européia" 
              a alguns países (tais como Argentina e Uruguai), outra "mais 
              indígena" (como no caso do México, Peru e Bolívia, 
              por exemplo) e, ainda, uma herança mais marcadamente "africana" 
              a países como o Brasil e a Colômbia. Segundo Andrews, 
              este imaginário está em transformação. 
              "Um dos avanços mais notáveis, nos últimos 
              anos, foi o reconhecimento, por parte dos governos e das sociedades 
              da região, do caráter multicultural dos países 
              latino-americanos. Este reconhecimento pode ser notado em algumas 
              das novas Constituições e nas políticas culturais 
              e sociais, assim como na produção acadêmica 
              e intelectual", afirma.
              
              Historiografia latino-americana
              O aumento no número de pesquisas acadêmicas sobre história 
              e cultura afro na América Latina indicam uma percepção 
              de orientação mais multicultural a respeito dos países 
              latino-americanos. "Mesmo em países tidos como 'mais 
              indígenas' ou 'europeus', percebe-se, cada vez mais, um aumento 
              na consciência da herança "africana" e o 
              papel dos afrodescendentes (junto com os outros grupos raciais) 
              na construção dos seus respectivos países", 
              acrescenta Andrews. 
            O 
              autor vem se dedicando, desde os anos 1970, à questão 
              dos negros no Brasil e na América Latina. Foi professor visitante 
              da Unicamp e pesquisador do Centro de Estudos de Cultura Contemporânea 
              (CEDEC). Atualmente, é Professor da Universidade de Pittsburgh, 
              nos Estados Unidos. Apenas uma obra do autor é traduzida 
              no Brasil: Negros e brancos em São Paulo 1888 - 1988 
              (Edusc, 2003). O livro, ao recuperar extensa documentação 
              (jornais operários, publicações de organizações 
              de trabalhadores negros, grandes jornais, relatórios oficiais), 
              sintetiza a trajetória histórica do movimento negro 
              no estado e realiza uma revisão crítica das duas grandes 
              linhas de pensamento sobre as relações raciais no 
              Brasil - inauguradas por Gilberto Freyre e Florestan Fernandes. 
              A obra ainda aborda a questão da desigualdade entre negros 
              e brancos - imigrantes inclusive - no estado de São Paulo, 
              cobrindo um período de 100 anos, a partir da abolição 
              da escravidão.