Biólogo
norte-americano é acusado de privatizar microorganismos
O Fórum Social das Américas, que ocorreu no final
de julho, em Quito, no Equador, foi marcado por uma série
de manifestações contra a polêmica expedição
do biólogo norte-americano Craig Venter, que, a bordo do
iate Sorcerer II, visa coletar amostras de microorganismos nos mares
da costa de uma série de países da América,
Ilha de Galápagos, seguindo pelo Pacífico sul ao Oceano
Índico (até Madagascar) e, por último, chegando
ao Caribe. Venter, que presidiu a empresa Celera Genomics,
responsável pelo seqüenciamento do genoma humano, é
acusado de privatizar recursos genéticos e de colocar em
risco a soberania das nações sobre seu patrimônio
genético.
Um
dos objetivos da expedição é o interesse em
microoganismos e bactérias, que participam do ciclo de carbono,
nitrogênio e outros nutrientes que poderiam ser a chave para
a geração de energia limpa. Entre os patrocinadores
do projeto estão o Departamento de Energia dos Estados Unidos
e a Fundação Gordon e Betty Moore (do mesmo co-fundador
da Intel). O projeto piloto, fez coletas em Sargaço, nas
Antilhas, resultando na inclusão de 800 novos genes envolvidos
na conversão de luz solar em energia celular no GenBank
(o maior banco público de dados de genomas).
O
Grupo de Ação sobre Erosão, Tecnologia e Concentração
(ETC group), sediado no Canadá, acusa o biólogo, num
extenso comunicado,
publicado em abril deste ano, de converter em mercadorias os biomateriais
das nações. Segundo o grupo, mesmo que Venter tenha
prometido não patentear os micróbios que coleta e
seqüencia, poderia solicitar patentes para os micróbios
modificados ou para novas formas de vida desenhadas a partir dos
organismos coletados. Essas suposições encontram respaldo
no anúncio de que a equipe do cientista construiu, no fim
de 2003, em apenas duas semanas, uma molécula de vírus
funcional a partir de 5.836 pares de bases de DNA sintético
e que, segundo o grupo ETC, estaria disponível comercialmente.
As
permissões que Venter precisa para coletar os recursos biológicos,
de acordo com o IBEA, são obtidas junto ao Departamento de
Estado dos EUA. Elizabeth Bravo, do grupo Ação Ecológica
de Quito, alertou durante o Fórum que, por não participarem
do Convênio de Diversidade Biológica da ONU, os EUA
não têm a obrigação de reconhecer a soberania
nacional sobre a biodiversidade de outros países.
Além
da possibilidade de manobra nas permissões, os ativistas
destacaram a falta de transparência para tais procedimentos
nos países por onde o Sorcerer já passou, o que revelaria
uma falta de controle jurídico e público das questões
que envolvem novas tecnologias e extração de recursos
naturais. Segundo o ETC, o IBEA afirmou que um funcionário
da Universidade Autônoma do México firmou a permissão
para a coleta de recursos no México. No entanto, o coordenador
geral de acordos de investigação da universidade não
sabe de qualquer negociação desse tipo com Venter.
A mesma falta de informações foi detectada na Costa
Rica e nas Bermudas.
A
matéria
de capa da revista norte-americana de divulgação científica
Wired, neste mês, traz uma artigo que tenta responder
as críticas que a expedição vem sofrendo. O
autor James Shreeve, membro da tripulação do Sorcerer,
refere-se aos críticos da expedição, como obstáculos
políticos e defende Venter, dizendo ser uma ironia que a
contrapartida de benefícios que os países esperam
das coletas da expedição não possa ser dada
a cada um deles, justamente porque os dados são de acesso
público, e estão no GenBank (banco de dados
internacional de sequências genéticas). O biólogo
promete, para o fim deste ano, um artigo sobre seu interesse em
construir um genoma sintético.
Obstáculos
políticos
As críticas que estavam circunscritas na esfera ativista
tomaram outra dimensão na Polinésia Francesa, as 118
ilhas do Pacífico Sul, onde o ministro francês negou
o pedido de permissão de Venter de iniciar coleta na região.
Como o impedimento francês violava direitos internacionais
e colocava na mesa possíveis problemas diplomáticos
entre EUA e França, Venter foi autorizado a sair da região
como turista, mas sob escolta e supervisão para que não
coletasse dados. Enquanto passava pelo México ou Costa Rica,
Venter teve apenas o barulho dos ativistas, mas ao chegar na Polinésia
francesa, teve que ouvir o recado: não mexa com as minhas
"colônias".