Para 
              a ABC, programas e conteúdos 
              são o "filé mignon" das mudanças
            A 
              reforma universitária foi o tema central de diversas conferências 
              e simpósios realizados durante a 56ª Reunião 
              Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência 
              (SBPC), que se encerrou no dia 23 de julho, em Cuiabá (MT). 
              Em uma dessas palestras, o físico Luiz Davidovich, da UFRJ, 
              apresentou as propostas da Academia Brasileira de Ciências 
              (ABC) para mudar o ensino superior no país, afirmando que 
              o item "Programas e Conteúdos", incluído 
              na discussão sobre reforma universitária por sugestão 
              da SBPC, deve ser um dos principais pontos da Lei Orgânica 
              do Ensino Superior, que o Ministério da Educação 
              encaminhará ao Congresso Nacional até novembro deste 
              ano.
            "É 
              o 'filé mignon' da reforma", afirmou Davidovich, que 
              é diretor da ABC. "É preciso reformar porque 
              os nossos programas são obsoletos e voltados para uma profissionalização 
              prematura, ao contrário do que acontece em todo o mundo", 
              observou. De acordo com ele, a especialização prematura 
              prevista nos programas atuais é decorrente da última 
              reforma universitária feita no país, em 1968, pelo 
              governo militar, que instituiu o sistema de créditos, dividiu 
              as áreas do conhecimento em departamentos nas instituições 
              de ensino superior e estabeleceu programas voltados para as necessidades 
              de mercado.
            Na 
              época, o então estudante Davidovich saía às 
              ruas para engrossar o movimento estudantil que reivindicava uma 
              formação superior mais ampla e humanística. 
              O modelo desse tipo de ensino, nos anos 60, era a Universidade de 
              Brasília (UnB), em que um aluno de engenharia podia, por 
              exemplo, se matricular em uma disciplina do curso de cinema. A proposta 
              atual da ABC é que passem a existir cursos seqüenciais 
              de dois ou três anos com estruturação curricular 
              em grandes áreas do conhecimento, e só posteriormente 
              haveria a especialização.
            Para 
              Davidovich, fazer com que os jovens escolham uma certa especialidade 
              de engenharia ou uma certa área de ciência após 
              a convivência em um curso mais geral de média duração 
              evitaria o que ele chamou de "evasão vocacional", 
              que é muito grande no país. Atualmente, a média 
              de evasão de alunos na graduação na Universidade 
              de São Paulo (USP), por exemplo, é de 40%.
            A 
              ABC sugere, ainda, que sejam oferecidas nas universidades oficinas 
              sobre assuntos gerais e atuais para os alunos ingressantes, como, 
              por exemplo, "Evolução das espécies: biologia 
              nos anos pós-genoma" ou "Mito, memória e 
              história: entendendo os índios brasileiros". 
              O diretor da ABC também ressaltou que é preciso rever 
              a carga didática atual dos cursos superiores, que segundo 
              ele, é extremamente pesada. "A universidade brasileira 
              tem aula demais", concorda Jorge Guimarães, presidente 
              da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal 
              de Nível Superior (Capes). "Se há algo que devemos 
              pensar, profundamente, na reforma universitária, é 
              em uma redução drástica da carga horária 
              de sala de aula", continua.
            Outra 
              fonte de ineficiência do ensino superior brasileiro apontada 
              por Davidovich, além da profissionalização 
              prematura e da carga de aula excessiva, está no próprio 
              processo de seleção. "A quantidade de informação 
              cobrada no vestibular é muito grande", endossou o físico 
              Enio Candotti, presidente da SBPC, que compôs a mesa de debate 
              no lugar do ministro da Educação Tarso Genro, ausente 
              no evento. "Se eu der uma questão do vestibular da minha 
              área para um colega da área de biologia, ele não 
              conseguirá resolver o que é cobrado de um estudante 
              que saiu do ensino médio", exemplifica.
            No 
              item "Acesso e Permanência" da reforma universitária, 
              as mudanças no processo seletivo também incluem a 
              política de cotas, defendida publicamente pelo governo federal. 
              Edmundo Fernandes Dias, do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições 
              de Ensino Superior (Andes), que participou do debate na reunião 
              da SBPC, criticou a ausência de Tarso Genro e questionou a 
              proposta do ministro de destinar 50% das vagas do ensino superior 
              para alunos oriundos de escolas públicas. "Um estudo 
              do Inep [Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais] 
              já apontou que 43% dos alunos matriculados nas universidades 
              vêem do ensino público médio", afirmou. 
              "Para onde o MEC pretende destinar esses outros 7%? Para os 
              cursos de medicina ou de pedagogia?".
            De 
              acordo com o Ministério da Educação (MEC), 
              a política de cotas, seja para estudantes oriundos de escolas 
              públicas ou para negros e índios, ainda deve ser aprofundada 
              em discussão com a comunidade acadêmica e com a sociedade 
              em geral. Quando a discussão sobre cotas de vagas para estudantes 
              negros ainda estava começando, há cerca de três 
              anos, uma pesquisa intitulada "A cor da Bahia", desenvolvida 
              por Delcele Mascarenhas, do Departamento de Ciências Sociais 
              da Universidade Federal da Bahia (UFBA), revelou que o acesso de 
              negros aos cursos mais concorridos da universidade era restrito. 
              O estudo mostrava que enquanto cursos de baixa demanda, como estatística 
              e química industrial, chegavam a ter entre 18% a 25% de alunos 
              negros, os mais disputados, como medicina e odontologia, tinham 
              menos de 2% de negros entre seus estudantes.
            Na 
              reunião da SBPC, Davidovich propôs, ainda, a criação 
              de uma Agência Nacional de Acompanhamento do Ensino Superior 
              - nos moldes da Anvisa - para atuar no controle de qualidade dos 
              cursos, como faz a Capes em relação às pós-graduações. 
              Segundo ele, a forte pressão pelo aumento de vagas provocou 
              uma expansão do ensino superior, principalmente na iniciativa 
              privada, sem garantia de qualidade. De acordo com o Inep, os alunos 
              matriculados em instituições privadas de ensino superior 
              passaram de 63,3% do total em 1992 para 77,1% em 2002. "A 'privataria' 
              deve ser combatida", defendeu do diretor da ABC.
            - 
              Leia notícia 
              sobre a primeira versão oficial da proposta de reforma universitária 
              do país, de maio de 2004.