Livro
resgata a memória dos desafios
de se fazer ciência no Brasil
Como
a ciência e a tecnologia se inscrevem no processo histórico
de desenvolvimento do Brasil? Quais as relações existentes
entre os impasses econômicos, sociais e políticos que
caracterizam a nossa história e a configuração
da pesquisa científica e tecnológica, em diferentes
momentos, no país? Estas e outras questões estão
presentes no livro Prelúdio para uma História:
Ciência e Tecnologia no Brasil, organizado por Shozo Motoyama,
diretor do Centro Interunidade de História da Ciência
da Universidade de São Paulo (USP). Lançado nesta
quarta-feira, durante a 56ª reunião da Sociedade Brasileira
para o Progresso da Ciência (SBPC), o livro retrata, ao longo
de 500 anos da história brasileira, o desafio de tornar a
pesquisa científica e tecnológica parte da cultura
nacional.
Ao
registrar fatos históricos relevantes da ciência e
da tecnologia no Brasil que viriam se perdendo e sendo esquecidos,
o livro percorre, em seus seis capítulos, desde o passado
colonial até o período da chamada Nova República,
a partir de 1985. Dentre os êxitos recentes, de diferentes
áreas, da pesquisa nacional, vários episódios
são narrados tais como o sequenciamento do genoma da bactéria
responsável pela praga do amarelinho, presente nos laranjais
paulistas, e o reconhecimento internacional do trabalho de Milton
Santos que, ao propor uma nova geografia, deu novo fôlego
à disciplina que vinha sendo diluída no interior de
outras ciências sociais.
Motoyama
lembra que o Brasil já viveu situações parecidas,
em que o país ganhou projeção internacional
por meio das suas realizações científicas:
"Houve momentos muitos semelhantes com o atual, em que a ciência
brasileira teve uma evidência política e social muito
grande. Um exemplo seria o trabalho do sanitarista Oswaldo Cruz,
no começo do século XX, sobre endemias tais como a
febre amarela", afirma o pesquisador. A diferença é
que, embora, neste período, o conhecimento científico
tenha sido utilizado na forma da tecnologia - com o desenvolvimento
de vacinas, por exemplo - ainda "havia uma política
científica e tecnológica insipiente, marcada pelo
imediatismo, e a ciência e a tecnologia não eram parte
da cultura do país", complementa.
Atualmente,
o crescimento e a qualificação da comunidade científica,
a constituição de redes internacionais de pesquisa,
a existência de indicadores sistemáticos e confiáveis
de C&T, dentre outros elementos, sinalizariam tanto a concretização
de uma cultura científica no país quanto a importância
da política científica e tecnológica: "É
preciso que haja uma política favorável tal como no
estado de São Paulo que, nos últimos 15 anos, teve
uma compreensão relativamente boa, por parte do governo,
em relação à ciência, fazendo com que
o repasse de verbas às universidades e à Fapesp fosse
contínuo", afirma Motoyama.
Mitos
e preconceitos
O livro também recupera a dinâmica da cultura científica
no país. Durante a escravidão, por exemplo, na qual
o trabalho e a técnica, por serem atribuições
dos escravos, eram desvalorizados, a elite nacional desprezava as
atividades manuais e, por conseqüência, a experimentação,
base para a ciência. Esses e outros elementos constituiriam
as origens históricas de alguns mitos acerca da aptidão
dos brasileiros para as atividades de ciência e tecnologia
e o preconceito de que o brasileiro não sabe fazer ciência.
Esses
mitos e preconceitos seriam reforçados pelo desconhecimento
da história do esforço individual de nomes tais como
Manoel Querino, arquiteto negro, fundador do Liceu de Artes e Ofícios
da Bahia (1872), que propiciou a modernização da educação
técnica no país e Maria Josefina Durocher, primeira
mulher a ser admitida na Academia Imperial de Medicina após
ter concluído, em 1834, o curso na Faculdade de Medicina
no Rio de Janeiro (numa turma inteiramente masculina), tornando-se
a primeira parteira diplomada no Brasil. É a história
quase esquecida destes e de outros pioneiros que o livro visa resgatar,
numa tentativa de desfazer a lenda de que o Brasil seria, desde
sempre, um país marcado pela ausência de uma tradição
científica.
Publicado
pela Editora da Universidade de São Paulo (Edusp), com o
apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado
de São Paulo (Fapesp), o livro conta com Marilda Nagamini,
Francisco Assis de Queiroz e Milton Vargas como colaboradores. Motoyama,
o organizador, é astrofísico de formação
e coordenou as pesquisas que resultaram no livro 50 anos do CNPq
contados pelos seus Presidentes (2002) e nos dois volumes sobre
a história da Fundação de Amparo à Pesquisa
do Estado de São Paulo: Fapesp - uma História de
Política Científica e Tecnológica e Para uma
História da Fapesp - Marcos Documentais (1999).