Legislação ainda impede a troca de informações
de pesquisa com o exterior
A medida provisória 2.186-16 que quer combater a biopirataria
em território nacional acabou prejudicando a pesquisa brasileira
desde 2001, quando foi assinada. As exigências previstas pela
MP reduziram as autorizações para coleta de plantas
e animais, e diminuiram o intercâmbio de amostras com o exterior.
Atualmente, o Museu de Zoologia da USP é a única instituição
no Brasil que pode trocar materiais com outros países, situação
que poderá ser agravada diante da crescente demanda e a ausência
de financiamento para melhorar a infraestrutura da instituição.
"Seria
preciso pensar em medidas compensatórias em termos de infraestrutura
e pessoal necessários ao depósito adequado de material
em instituições credenciadas", afirma o diretor
do Museu de Zoologia da USP, Carlos Roberto Brandão. A proposta
de transformar as coleções biológicas em "fiéis
depositários", como coloca a MP é, para Vanderlei
Canhos, pesquisador do Centro de Referência em Informação
Ambiental (Cria), importante para que se possa ter um acesso regulamentado
aos materiais coletados, "mas é preciso ampliar a infraestrutura
dessas coleções", ressalta ele.
Outro
grande problema gerado é a dificuldade na relação
com coleções biológicas do exterior que, segundo
a MP, nenhum material coletado no Brasil pode sair do território
nacional sem autorização. Faz parte do cotidiano dos
pesquisadores o envio e recebimento de materiais para análise,
depositados em museus e herbários fora do país. Muitas
das espécies que ocorrem no Brasil foram identificadas por
pesquisadores estrangeiros e o material de referência seguiu
para instituições do exterior e que hoje são
importantes fontes de dados históricos em biodiversidade.
"Na flora fanerogâmica [plantas que se reproduzem por
sementes] de São Paulo existem 7.500 espécies, o material
de referência de apenas 1.500 delas estão em herbários
paulistas, ou seja, menos de 25%, o restante está depositado
no exterior", exemplifica Canhos.
Para
Brandão "a MP afetou negativamente nossa relação
de um século com instituições de todo mundo,
pois já que os museus no exterior não tinham garantia
legal de que nós poderíamos devolver o material emprestado,
pararam de enviar as amostras". A confusão se deu, segundo
o diretor, porque os responsáveis nas fronteiras e os documentos
legais não explicitam a diferença entre a pesquisa
que não visa lucro e as atividades de biopirataria ou de
prospecção de fármacos, por exemplo. A realidade
começa a mudar gradativamente, mas as instituições
brasileiras ainda figuram nas "listas negras" de grandes
coleções internacionais como o Smithsonian.
É
simples, portanto, imaginar o impacto da MP nos estudos biológicos:
se o material não pode mais vir ao Brasil para os pesquisadores
estudarem, estes devem ir ao exterior para conseguir consultá-los.
Canhos ressalta ainda que uma possibilidade é a disponibilização
das informações por meio da internet, "o que
geralmente resolve grande parte do problema, mas são poucas
as instituições no Brasil e exterior que tem suas
coleções digitalizadas".
Reformulação
Os reflexos causados na pesquisa geraram um movimento por parte
dos pesquisadores, com o objetivo de discutir um Projeto de Lei
para substituir a atual Medida Provisória. Desde março
de 2003, por exemplo, dois representantes da Sociedade Brasileira
para o Progresso da Ciência (SBPC) foram convidados a participar
das reuniões do Conselho de Gestão do Patrimônio
Genético (CGEN) ao lado de representantes de organizações
indígenas, de seringueiros, da indústria farmacêutica
e bioteconológica e ONGs.
Em
uma tentativa de amenizar os impactos na pesquisa brasileira, uma
resolução de outubro de 2003 deu ao Ibama a possibilidade
de emitir licenças de coletas que não se proponham
a utilizar informações de origem genética,
possibilitando que as instituições de pesquisa possuam
uma autorização "guarda-chuva", envolvendo
vários projetos e retirando a exigência de um itinerário
completo da expedição substituindo-o pela indicação
da área geográfica da pesquisa.
Atualmente,
o anteprojeto de lei que substituirá a MP está em
discussão na Casa Civil.