Retrato da periferia ganha espaço na Festa Literária 
              Internacional 
						
              
						
							
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								| Zuenir Ventura, Ferréz e José Martins durante o Flip | 
							
						
						
            Entre 
              o elenco de escritores nacionais e internacionais escolhidos para 
              participar das 19 mesas que compuseram a Festa Literária 
              Internacional de Parati (Flip), que aconteceu entre os dias 7 e 
              11 de julho, destaca-se um jovem nome da literatura nacional. Peculiar 
              no jeito de ser, de falar e até de vender seus livros - já 
              que montou uma espécie de "estande" do lado de 
              fora do local onde eram vendidos os títulos dos autores participantes 
              - Reginaldo Ferreira da Silva, conhecido como Ferréz, ganha 
              cada vez mais espaço entre os escritores brasileiros com 
              o que ele próprio denomina de "literatura de periferia". 
              Para o sociólogo da USP José de Souza Martins, que 
              também participou da Flip, a obra de Ferréz, além 
              de dar voz aos moradores da periferia, retrata uma realidade que 
              muitos desconhecem.
            "Para 
              as ciências sociais, a literatura pode ser vista como um documento. 
              Ferréz faz um trabalho etnográfico da realidade da 
              periferia de São Paulo, do ponto de vista do morador", 
              afirmou Martins durante a Flip. Para o sociólogo, a obra 
              transforma o morador da periferia em autor de seu próprio 
              discurso. "É preciso parar de falar que somos a voz 
              daqueles que não têm voz. Os moradores de periferia 
              não têm voz porque lhes cortaram a língua", 
              afirma Martins. 
						As obras de Ferréz, Capão Pecado, publicado em 2000, e Manual prático do ódio, de 2003, retratam o cotidiano da periferia de São Paulo, com foco no bairro do Capão Redondo, uma das regiões mais violentas da cidade. Com linguagem informal, traz cenas rotineiras dos moradores da região. "Eu encontrei na literatura um jeito de driblar a minha realidade. A vida na periferia é tão degradante que é preciso se autofirmar o tempo inteiro", afirma o autor, que contou que é idolatrado pelos moradores da região.  
						
            Para 
              o autor, a literatura de periferia é atrativa para o morador 
              das regiões periféricas porque há uma identidade 
              com o que é tratado no livro. Mesmo assim, boa parte do que 
              é produzido na periferia jamais chegará às 
              livrarias. "Não é preciso comprar a nossa literatura 
              por sentir pena, mas porque são obras de qualidade. Existem 
              coisas boas e ruins também na literatura de elite. Não 
              basta escrever e ser de periferia; tem que escrever bem, ainda mais 
              porque temos que provar com muito mais força que a nossa 
              literatura é boa", afirma.
						
            Ferréz 
              ressalta que não aborda o morador de periferia como excluído 
              da sociedade. "Quem está excluído é a 
              elite. Eu não ando de carro blindado e não tenho câmera 
              vigiando a mim e a minha esposa", lembra Ferréz. Para 
              o sociólogo Martins, a palavra exclusão é 'uma 
              grande sacanagem cultural', já que não há exclusão 
              porque o sistema não existe sem os chamados excluídos. 
              
						
            Na 
              realidade da periferia de São Paulo, destaca Ferréz, 
              além do desemprego, um grande problema é o álcool, 
              e não as drogas, como se costuma pensar. "Há 
              traficantes, mas eles ficam de um lado e nós fazemos o nosso 
              movimento cultural de outro", afirma, adicionando que costuma 
              brincar dizendo que "trafica livros". O movimento cultural 
              ao qual Ferréz se refere inclui também poesia e música, 
              como rap e hip-hop, estilo que o autor também compõem. 
              "A literatura tem que ser tão popular na periferia quanto 
              o rap é atualmente", diz.
						
            Manual 
              prático do ódio será em breve transformado 
              em filme, com os mesmos roteiristas de Cidade de Deus. De 
              acordo com Ferréz, Capão Pecado também 
              foi especulado para ser adaptado para o cinema, mas a oferta foi 
              negada já que, para ele, o bairro Capão Redondo ficaria 
              muito exposto. Além disso, ele acredita que a produção 
              de um filme sobre a região poderia provocar uma falsa expectativa 
              de mudança na realidade do bairro, como aconteceu com Cidade 
              de Deus. "Não é a minha função 
              transformar meu livro em filme, assim como não é função 
              do filme mudar a realidade do que é abordado", conclui. 
              
						
            A 
              Festa Literária Internacional deste ano contou com um público 
              recorde de mais de 10 mil pessoas. As 19 mesas que fizeram parte 
              do evento tiveram a presença de 20 grandes nomes da literatura 
              nacional, como Lygia Fagundes Telles, Ziraldo, Moacyr Scliar, além 
              de 16 escritores estrangeiros convidados, como o norte-americano 
              Paul Auster, a portuguesa Lídia Jorge e o britânico 
              Ian McEwan.
						Crédito das fotos: Sabine Righetti