Além dos R$ 7 bilhões, o conhecimento precisa
chegar à agricultura familiar
A Secretaria de Agricultura Familiar (SAF), ligada ao Ministério
de Desenvolvimento Agrário, firmou no dia 1º de julho
um convênio para o repasse de R$ 19 milhões às
instituições estatais de assistência técnica
e extensão rural que atendem agricultores familiares e assentados
da reforma agrária. A assinatura do convênio aconteceu
dias após o anúncio dos R$ 7 bilhões que poderão
ser aplicados no Plano Safra 2004-2005, através do Programa
Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf). De
acordo com o Ministério da Agricultura, no entanto, somente
69% dos recursos destinados à agricultura familiar chegaram
efetivamente aos pequenos produtores na safra passada. Além
disso, o governo federal estima investir em capacitação
e assistência técnica, durante o ano de 2004, o equivalente
a menos de 3% do valor que está destinando ao crédito
rural para a agricultura familiar.
De
acordo com Gilson Alceu Bittencourt, que é assessor da SAF
e pesquisou sobre o financiamento à agricultura familiar
no Brasil em seu mestrado no Instituto de Economia da Unicamp, um
dos fatores que dificultam o acesso ao crédito no meio rural
é justamente a insuficiente assistência técnica
para os produtores familiares, principalmente os mais pobres, que
demandam maior acompanhamento técnico para se desenvolverem.
Outro fator apontado pelo pesquisador é que a população
mais pobre normalmente não possui garantias reais - principal
exigência dos bancos para realizar empréstimos. "A
garantia está relacionada também com o grau de risco
de um crédito", explica Bittencourt. "Quanto menor
for a garantia, pior tende a ser a classificação do
crédito [para a instituição financeira]",
acrescenta.
Além
do crédito não ser acessível a todos os pequenos
agricultores, a demanda por assistência técnica na
agricultura familiar é muito maior do que é efetivamente
investido pelo governo nessa área. "Um dos grandes desafios
que se coloca hoje é como fazer com que o conhecimento chegue
ao pequeno produtor e, ainda mais, que chegue sem demora",
afirma Pedro Antonio Arraes Pereira, pesquisador da Embrapa Arroz
e Feijão. Ele defende que uma nova proposta estratégica,
aliada a experiências que já deram certo em termos
de transferência de conhecimento da Embrapa para comunidades
rurais, poderia incrementar a melhoria de renda e de qualidade de
vida do pequeno produtor.
Pela
proposta de Pereira, a Embrapa estimularia a produção
de sementes em diversas unidades pólos em todo o Brasil.
"A empresa, em parceria com instituições de ensino
e extensão rural, ONGs e associações, selecionaria
determinadas localidades do país para a execução
da atividade", sugere. "Depois, seriam escolhidos técnicos
das empresas públicas de transferência de tecnologia
para participarem de cursos de reciclagem tecnológica, formando
profissionais capazes de levar o conhecimento mais atual sobre produção
de sementes", continua.
Desigualdades
no campo
Além da demanda por conhecimento, a agricultura familiar
também está defasada em termos de crédito rural,
apesar dos R$ 7 bilhões anunciados pelo governo. A soma é
expressiva, mas muito inferior ao crédito oferecido para
os grandes produtores ligados ao agronegócio, que também
recebem a maior parte dos recursos da União destinados a
subsidiar a agricultura. Do total de R$ 24,5 bilhões aplicados
em crédito rural no Brasil na safra 2002-2003, a agricultura
familiar ficou apenas com cerca de 8% e, na safra 2003-2004, com
aproximadamente 12% dos R$ 31,8 bilhões, segundo o Ministério
da Agricultura. "Considerando o peso da agricultura familiar
na produção agrícola brasileira e o grande
número de agricultores não atendidos pelo crédito,
a participação do Pronaf no volume total de crédito
rural ainda tem muito que crescer para atender a demanda existente",
avalia o assessor da Secretaria de Agricultura Familiar.
"Existe
um equívoco quando nos referimos ao agronegócio como
algo separado da agricultura familiar", diz o pesquisador da
Embrapa. "Muitos pequenos produtores rurais familiares contribuem
significativamente para o agronegócio", conclui. Segundo
Pereira, as estimativas das últimas safras apontam que cerca
de 31% do arroz, 49% do milho e nada menos do que 70% do feijão
produzidos no Brasil vêm da agricultura familiar. O próprio
presidente Lula, no discurso em que anunciou o investimento de R$
7 bilhões em linhas de crédito do Pronaf, a partir
deste mês, destacou que um terço das 50 milhões
de toneladas de soja produzidas safra passada saiu da agricultura
familiar.
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