Descoberta de cafeeiros sem cafeína
deve impactar indústria do café
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Crédito:
Paulo Mazzafera
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O anúncio da descoberta de cafeeiros da espécie comercial Coffea arabica, com baixíssimos níveis de cafeína, pela equipe do Instituto de Biologia da Unicamp e do Instituto Agronômico, localizado em Campinas, gerou um grande frison no Brasil e no exterior, em função das possibilidades de lucros para os produtores nacionais e da nova opção para os consumidores da mais popular bebida brasileira. O coordenador da pesquisa, Paulo Mazzafera, afirma que se essas plantas revelarem-se produtivas e com frutos de qualidade é provável que em dez ou quinze anos as mudas de café naturalmente descafeinado já estejam à disposição dos agricultores. Sérgio Paulino de Carvalho, pesquisador da Empresa de Pesquisa Agropecuária do Estado do Rio de Janeiro (Pesagro), acredita que, caso o novo cafeeiro seja protegido, poderá modificar a tendência do mercado do café, que até hoje nunca protegeu o lançamento de alguma variedade.
A equipe brasileira, que há 17 anos procurava a planta naturalmente sem cafeína, vê na descoberta a possibilidade de aumentar o consumo do produto no país e, sobretudo, mundialmente. Embora o consumo de café descafeinado no Brasil não chega a 1% do mercado de café, nos Estados Unidos este número pode chegar a 20% e no resto do mundo a 10%. "Nós apostamos que o consumo do café naturalmente descafeinado deverá aumentar em cima desta descoberta", prevê Mazzafera.
Entre os novos consumidores, acredita o pesquisador da Unicamp, estarão as pessoas que não consomem o café descafeinado industrialmente por alegar mudança no sabor ou por receio de ingerir o resíduo do solvente diclorometano (substância utilizada no processo de extração da cafeína que é considerada cancerígena) - presente em cerca de três partes por bilhão de partículas (3ppb), o que é considerado seguro pela FDA - além daqueles que simplesmente irão aderir ao novo produto. O pesquisador da Unicamp também aposta que o novo tipo de café poderá mexer na indústria do café descafeinado, que lucra com a venda da cafeína para a indústria farmacêutica.
Carvalho, no entanto, é mais cauteloso. "O fato de ter um produto com um potencial mercadológico não quer dizer que ele será sucesso de vendas. Tudo irá depender do mecanismo de coordenação de cadeia, ou seja, o acordo de preços entre produtores, exportadores, mercado internacional e consumidores", esclarece. De qualquer forma, o pesquisador sugere que o cultivar (variedade comercial) da C. Arabica seja protegida assim que o seu melhoramento genético for concluído, para então tentar comercializá-lo, regulando e garantindo direitos sobre a nova variedade comercial.
O pesquisador responsável pela proteção dos cultivares de café no Instituto Agronômico, Oliveiro Guerreiro Filho, informa que é possível proteger os clones dessas plantas e então comercializá-los, o que poderia acelerar o surgimento de variedades adaptadas em outros países, ou então aguardar para proteger os descendentes do cruzamento destas com as variedades comerciais, possibilidade mais provável. Mesmo assim, Paulo Mazzafera lembra que o produtor brasileiro só poderá garantir maiores lucros enquanto a produção estiver concentrada no país, assim, "as mudas não podem ser vendidas a altos preços".
Mesmo protegidas pela Lei de Cultivares, aprovada em 1997, é difícil impedir que essas sementes sigam para outros países também produtores de café, como a Colômbia e a Costa Rica, que adaptarão a variedade às condições locais. "Precisamos dar condições ao setor produtivo para que ele ganhe dinheiro e oferecer um produto diferenciado ao consumidor, mas não podemos prever como o mercado reagirá frente ao café descafeinado", reforça Guerreiro.
As três plantas identificadas por AC1, AC e AC3 pelos pesquisadores Mazzafera, Maria Bernardete Silvarolla e Luiz Fazuoli, do IAC, são de origem etíope e apresentam uma mutação genética que interrompe a síntese de cafeína, gerando um acúmulo da substância teobromina. Esses cafeeiros produzem apenas 0,07mg de cafeína, enquanto que as variedades comerciais chegam a produzir 12mg. A esperança é que, por pertencerem à mesma espécie, os cruzamentos entre plantas já cultivadas no país e as com pouca cafeína, poderão reunir em um mesmo cafeeiro características de alta produtividade, sabor e baixos níveis de cafeína.
A partir do ano que vem, as plantas já clonadas irão para o campo e em cerca de 4 anos terão sua produtividade analisada, embora os autores da descoberta acreditem na baixa produtividade, por se tratarem de plantas silvestres. Só a partir de então que os cruzamentos poderão ser feitos e analisados.
Estoque de características
O achado também enfatiza a importância da manutenção dos bancos de germoplasma - verdadeiras bibliotecas vivas que mantém espécies de plantas, e qualquer planta com mutações no campo com o objetivo de preservar características que possam ser interessantes para as variedades comerciais. As plantas descobertas estavam há 30 anos na fazenda do IAC em meio a cerca de 50 mil cafeeiros de 16 espécies diferentes. Em 1964, a Organização para Alimento e Agricultura das Nações Unidas (FAO) reuniu pesquisadores do mundo todo para tentar resgatar variedades de café que corriam risco de se perder. Na época, os países participantes trocaram plantas entre si. Assim, a Costa Rica enviou sementes das plantas etíopes com baixa cafeína para o Brasil. Silvarolla, co-autora da descoberta, acredita que já não existam exemplares das plantas descafeinadas na Etiópia, embora possam haver em outros bancos do mundo.
Apesar da instituição possuir um dos bancos de café mais significativos do mundo, falta pessoal de apoio que possa dar manutenção às plantas. "Muitas já estão velhas e precisam ter réplicas para que o material seja rejuvenescido". Mazzafera acrescenta que também é preciso investir na formação de melhoristas tradicionais que não ficam limitados ao laboratório, mas trabalham diretamente no campo. "Os bancos de germoplasma são os bastidores da produção de café; sem o tripé manutenção-caracterização-utilização do banco pelo melhorista convencional, não tem como o (biólogo) molecular melhorar as variedades", frisou Silvarolla.