Pesquisa avalia potencial terapźutico
da Mata Atlāntica e do Cerrado
Avaliar o potencial terapêutico da vegetação da Mata Atlântica e Cerrado, no estado de São Paulo. Esse é o objetivo do projeto "Uso sustentável da biodiversidade brasileira: prospecção químico-farmacológica em plantas superiores", que está sendo conduzido pelos grupos de pesquisa em produtos naturais da Unicamp e da Unesp de Araraquara e Botucatu, como parte do Programa Biota/Fapesp.
O projeto dá continuidade ao estudo integrado de extratos de plantas do Cerrado do Tocantins, que vem sendo realizado há algum tempo pelos pesquisadores. Eles esperam obter nessas plantas moléculas com diferentes atividades farmacológicas, como antiulcerogênica, antiinflamatória, anticancerígena e antimicrobiana, dentre outras de grande importância terapêutica.
A seleção das espécies para o estudo é feita a partir de estudos etnofarmacológicos já realizados no estado de São Paulo e fora dele para plantas com informações de atividade sobre o sistema gastrointestinal. Essa abordagem consiste em combinar as informações adquiridas junto às comunidades locais, que fazem uso da flora medicinal, com estudos químicos e farmacológicos realizados em laboratório.
Desde agosto do ano passado, os pesquisadores estão estudando 11 espécies pertencentes a 6 gêneros e 6 famílias vegetais: Alchornea castaneifolia, A. glandulosa, A. triplinervia (Euphorbiaceae), Byrsonima crassa, B. fagifolia, B. sinerea (Malpighiaceae), Davilla elliptica, D. nítida (Dilleniaceae), Mouriri pusa (Melastomataceae), Strychnos pseudoquina (Loganiaceae) e Hancornia speciosa (Apocynaceae), coletadas no estado de São Paulo e no de Tocantins. O estudo de cerca de uma dezena de outras espécies também já foi iniciado.
Essas espécies foram submetidas à investigação química e farmacológica para extração, isolamento e identificação de seus constituintes químicos, bem como avaliação de extratos e frações em modelos animais com relação às atividades antimicrobiana, antioxidante e das funções de defesa do organismo. "Obtivemos resultados promissores em plantas com atividade sobre o sistema gastrointestinal, com atividade antimicrobiana e moduladora do sistema imunológico, inclusive alguns extratos ativos contra o Mycobacterium tuberculosis (agente da tuberculose). Isolamos também algumas moléculas que podem auxiliar a explicar essas atividades", revela Wagner Vilegas, um dos coordenadores do projeto.
As espécies também passaram pela análise de possíveis propriedades mutagênicas e/ou tóxicas às células (citotóxicas). A legislação brasileira prevê que um potencial fitoterápico seja avaliado quanto a essas atividades anteriormente ao seu registro. Isso porque, ao contrário do que muita gente pensa, os remédios naturais também podem apresentar efeitos colaterais.
As recentes descobertas na comunidade científica de que há mutações relacionadas ao processo de formação do câncer (carcinogênese) têm, inclusive, levado a estudos mais detalhados sobre mutagênese. Por outro lado, como explicam os pesquisadores, os agentes químicos utilizados para o tratamento de tumores são normalmente citotóxicos e mutagênicos.
A equipe do projeto espera com isso aprofundar o conhecimento da flora brasileira para, em seguida, avaliar seu potencial como produtora de fármacos. Entretanto, as espécies não poderão ser patenteadas. Isso porque a legislação brasileira não permite patentear plantas e nem o que for obtido a partir delas. "Eu não posso patentear uma nova molécula nova isolada, mas no exterior isso é possível", explica Vilegas. Segundo ele, só será possível patentear o processo de isolamento da molécula ou algum preparado feito a partir das plantas e que tenha alguma atividade. "Estamos nos penalizando mais uma vez com nossas próprias leis", lamenta.
O projeto deve contribuir também para a formação de recursos humanos que possam servir como multiplicadores de ações. De acordo com os pesquisadores, estão sendo oferecidas às comunidades locais palestras sobre usos e propriedades das plantas da região de onde foram coletadas as espécies, em especial nas escolas de primeiro e segundo graus.