Microsoft ameaça processar promotor
do software livre no governo brasileiro
No último dia 14, uma correspondência foi recebida com surpresa no escritório do Instituto Nacional de Tecnologia da Informação (ITI), que coordena o Comitê Técnico de Implementação do Software Livre no Governo Federal. Endereçada ao seu diretor presidente, Sérgio Amadeu, e tendo como remetente a gigante Microsoft, era um pedido de explicações, prática que antecede a um processo judicial. Dependendo da resposta de Amadeu a empresa poderá processá-lo, baseando-se na Lei de Imprensa, sob a acusação de difamação. Em reportagem da revista Carta Capital, Amadeu teria acusado a empresa de práticas comerciais semelhantes a de traficantes. Seria uma referência à prática da Microsoft de doar seus programas para projetos de inclusão digital, criando um público cativo de pessoas ensinadas a trabalhar com sua linguagem. Amadeu considerou a acusação tão absurda que preferiu nem responder.
O que foi concebido como ameaça está funcionando como incentivo à mobilização. Ou, como afirma Cláudio Prado, do Ministério da Cultura: "A Microsoft anda na trilha de Bush, metendo os pés pelas mãos". A acusação contra Amadeu está sendo vista como um movimento desesperado da Microsoft. A ação da empresa norte-americana teve um gigantesco efeito mobilizador em toda a comunidade do software livre. "A Microsoft resolveu, num gesto de extraordinária competência, unificar de uma tacada só a comunidade do Software Livre brasileira", escreveu Cláudio Prado para a lista do Projeto Software Livre Brasil.
Mas o efeito de unificação já foi além da fronteira brasileira. Membros da Hipatia, ONG que luta pela liberdade do conhecimento, iniciaram uma mobilização internacional que deve culminar com o fechamento simbólico de algumas páginas na internet de entidades que apoiam a política do governo brasileiro. Os hipatianos já traduziram para diversas línguas o tema da campanha iniciada pela comunidade brasileira: O Brasil tem o direito de decidir. Em menos de 24 horas um logotipo foi criado e informativos foram enviados para a comunidade internacional. Richard Stallman, presidente da Free Software Foundation e maior guru da comunidade, deve escrever uma carta de apoio a Amadeu em breve.
Metáfora comum
A comparação que teria sido feita por Amadeu não é nova e chega a ser corrente. Até mesmo o ex-presidente da Sun, Scott McNealy já a utilizou. Há três anos, ao comentar para a revista Wired sobre a dependência dos usuários britânicos dos produtos Microsoft para acessar a página do governo, que só funcionavam com o navegador da companhia, McNealy afirmou: "A primeira dose de heroína é sempre de graça". Para a reportagem da Carta Capital, Amadeu teria comparado a doação de software para programas governamentais de inclusão digital à "prática de traficante". "Isso é presente de grego, uma forma de assegurar massa crítica para continuar aprisionando o País", descreve a revista.
"Por que o processo foi movido só contra a autoridade brasileira?", pergunta-se Marcelo Branco, do Projeto Software Livre Brasil e um dos articuladores da campanha em favor da escolha brasileira. Para ele, trata-se de uma tentativa de intimidação dirigida ao governo brasileiro. "Essa iniciativa merece o repúdio da comunidade internacional. Devemos, mais do que nunca, nos solidarizar e apoiar as iniciativas de nosso país rumo à independência tecnológica", afirma. Até o momento, já foram contabilizadas mais de 2700 assinaturas no documento de apoio a Sérgio Amadeu publicado na internet.
Em comunicado à imprensa, Amadeu afirma ser a provocação judicial movida contra ele tão inusitada e descabida "que não merece resposta". Recentemente, a diretoria da Microsoft no Brasil, declarou à imprensa internacional que a opção do governo brasileiro pelo software livre era ideológica. Em clara resposta, Amadeu afirma no comunicado que a preferência dada pelo governo aos softwares livres e abertos é uma questão ligada ao princípio democrático. "Se democracia é um valor repleto de ideologia, não é jamais um valor insignificante. Se democracia é um sonho, é um sonho do qual este País jamais acordará novamente. O futuro é livre", completa.
Pilha de dinheiro
O poderio amealhado pela gigante monopolista do software, em pouco menos de três décadas de atividade, é assustador. A multa de US$ 612 milhões cobrada pela União Européia como punição contra formação de truste parece uma piada frente aos US$ 56 bilhões em dinheiro e investimentos de curto prazo que ela possui. O próprio fundador da companhia, Bill Gates, afirma que ela pode passar um ano sem faturar um único dólar. Mesmo assim, o capital total seria reduzido a "apenas" US$ 28 bilhões.
Mesmo com tanto dinheiro para gastar a sanha de crescimento não cessa. Durante o julgamento do processo de compra da PeopleSoft pela Oracle - a segunda maior companhia de Tecnologia da Informação do mundo - foi revelado que a Microsoft cogitou uma fusão com a SAP, empresa alemã que vende programas para grandes empresas e cujo valor de mercado é US$ 50 bilhões. Ainda sobrariam US$ 6 bilhões na poupança mas, segundo a própria empresa, o negócio não foi concretizado devido às complicações jurídicas - ou seja, novos processos anti-truste.