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Interior é berço da tradição de samba paulista

O destino de muitas pesquisas científicas é a prateleira empoeirada das bibliotecas e arquivos. Mas quando o tema é memória, nem sempre é assim. Exemplo disso foi a palestra e roda de samba intitulada O samba paulista e suas estórias, realizada por Olga von Simson, do Centro de Memória Unicamp, e pelo grupo de roda de samba Cupinzeiro, no dia 16, dentro do programa Panorama Musical da Casa do Lago, espaço cultural da Unicamp. A palestra/show teve como objetivo reconstruir a trajetória sócio-histórica e cultural do samba paulista, mostrando suas origens rurais e interioranas e sua gradativa integração ao viver urbano em São Paulo e Campinas. Tudo isso complementado pela execução de sambas tradicionais e novos sambas de raiz nos intervalos da palestra, com acompanhamento das palmas da platéia.


Grupo Cupinzeiro. Foto: Patrícia Mariuzzo

O samba tem sua origem mais remota na África. Trazido para o Brasil pelos negros escravizados, em São Paulo, ele se estruturou e fortaleceu primeiramente nas grandes fazendas. Suas raízes se mantiveram fortemente rurais por longo tempo e ele foi chamado ora de samba de roda, ora de samba de bumbo ou de samba rural pelos intelectuais que o estudaram nos anos 30, como o escritor e folclorista Mário de Andrade. Aos poucos, esse samba chega ao território urbano, principalmente através das festas profano-religiosas. "Era uma estratégia para que fosse aceito, pois se louvava santo que estava sendo homenageado, cantando e dançando, como na festa de São Benedito ou de Santa Cruz. A dança deixava de ser então, uma dança de negro com fundamento, isto é, ligada a práticas religiosas africanas", diz Simson.

Memória do samba paulista
Mesmo quando o samba já se urbanizava com os cordões carnavalescos, os sambistas da cidade, negros e imigrantes, que viviam nas regiões pobres da cidade de São Paulo, voltavam uma vez por ano para São Bom Jesus de Pirapora para encontrar grupos vindos do interior, de cidades como Tietê, Capivari, Campinas e Piracicaba.

Eu era menino
Mamãe disse vamo embora
Você vai ser batizado no samba de Pirapora

Trecho de Samba de Pirapora ,de Geraldo Filme

Nesses encontros ocorriam acirradas disputas de sambas, feitos de improviso. Simson acredita que nessas ocasiões os paulistanos alimentavam suas raízes e tradições afro-rurais que levavam de volta para a cidade, onde criavam novos sambas para os cordões do carnaval. O samba de roda se tornou uma manifestação cultural tão importante que chegou a influenciar o compositor erudito campineiro Carlos Gomes. Ele compôs uma peça intitulada Quilombo, Quadrilha Brasileira sobre os Motivos dos Negros. A peça está subdividida em cinco partes: Cayumba, Bananeira, Quingobo, Bamboula e Final.

Nos anos 40 e 50 do século XX, vários cordões já estavam estabelecidos no carnaval paulistano, como o Vai-Vai e o Camisa Verde e Branco, importantes escolas de samba da atualidade. Entretanto, fazer samba era viver no limite entre a legalidade e a marginalidade. Os desfiles nos cordões, cheios de evoluções para agradar o público, ocorriam sob permissão cuidadosamente negociada com a polícia.

Mandei preparar o terreiro que já vem chegando o dia
Eu vou encorar meu pandeiro preparar pra folia
Quando começar o pagode pego o pandeiro caio na orgia
No dizer de minha avó sambador não tem valia
Samba nunca deu camisa minha avó sempre dizia
Sambador não vale nada dorme na calçada não cuida da família
Quando começar o pagode pego o pandeiro caio na orgia

Letra de Quando começar o Pagode, de Toniquinho Batuqueiro

 

O Núcleo de Sambistas e Compositores do Cupinzeiro é um dos grupos que integram um processo de retomada da tradição musical do samba de roda. Formado por membros da comunidade de Campinas, por alunos dos cursos de música popular e erudita do Instituto de Artes da Unicamp e por pesquisadores da área de ciências sociais e letras, o objetivo do Núcleo é reconstruir a memória do samba paulista. Para Edu de Maria, integrante do Grupo, o papel do músico vai muito além do entretenimento. Ele deve também formar e informar o público. "A música não deve ser apenas um produto para o consumo", diz. Na palestra/roda de samba, o público tem a chance de entender o contexto de produção musical dos sambas, percebendo a relevância da tradição rural no samba paulista que conhecemos e ouvimos hoje.

Dentro do Mercadão
Existe um pequeno Botequim
Onde encontro cachaça da boa
Pimenta vermelha e aipim
Onde encontro a turma do samba
Cerveja gelada e camarão
Bacalhau e feijoada
Angu com rabada e agrião

De pé no balcão, o Nelson Barriga
Mastiga um torresmo
Com muito limão
Enquanto a Marilda prepara a comida
Para um batalhão

Vem chegando o Vela Preta, com o Tony e a Helô
E o Wilson Perneta desmente o que o presidente falou:
Não existe a democracia
Para além do meu botequim
Só aqui come o rico e o pobre
E até quem não gosta de mim

O bar do pachola é uma escola
Para quem sabe aprender
Que a vida não da bola
Pra remandiola que está no poder

Letra de Bar do Pachola, de Edu de Maria
e Bruno Ribeiro, do Grupo Cupinzeiro

Atualizado em 21/06/04
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