Banco inglês de células-tronco pode
aumentar polêmica no Brasil
A inauguração do primeiro banco de células-tronco embrionárias na Inglaterra, no dia 19 de maio, promete acirrar o debate sobre a pesquisa genética no Brasil. A instituição irá armazenar e fornecer material para estudos científicos dentro e fora do país. O Brasil, por exemplo, poderá obter as células para investigar a cura de doenças pela clonagem terapêutica. O problema é que a atual legislação nacional ainda não trata do tema e é motivo de discórdia entre parlamentares e cientistas.
A ala religiosa da Câmara dos Deputados promete reagir, caso os pesquisadores brasileiros se disponham a usar o material do banco inglês. "Não acreditamos que os cientistas irão se utilizar disso. Mas se acontecer, haverá, sem dúvida, uma tomada de posição (de nossa parte). Talvez um projeto de lei", garante o deputado federal Adelor Vieira (PMDB-SC), coordenador da Frente Parlamentar Evangélica.
A comunidade científica, por sua vez, demonstrou empolgação com a proposta inglesa. "Acho que é uma iniciativa bárbara. Formaliza o apoio que a Inglaterra dá à pesquisa com células embrionárias, enquanto no Brasil ainda se discute se ela deve ser permitida ou não. Sem dúvida, ajudará as pesquisas no mundo inteiro, e o Brasil poderá usar essas células. É uma alternativa, mas o ideal mesmo seria estabelecer um banco como esse aqui, para não dependermos da boa vontade de outros países", afirma a bióloga Lygia Pereira, do Instituto de Biociências da USP.
Nova lei
Em março, parlamentares contrários à pesquisa com células embrionárias conseguiram manter no projeto da nova Lei de Biossegurança um inciso que proíbe a manipulação de embriões. O documento ainda está em tramitação no Senado. A legislação atual permite o uso de células-tronco extraídas de partes do corpo como fígado, baço e medula óssea, assim como do cordão umbilical. Mas as germinativas humanas, consideradas as mais promissoras, estão vetadas. Para retirá-las, é preciso destruir os embriões, o que segundo a Constituição brasileira é considerado como aborto.
Além de ser contrária à destruição de embriões, a facção parlamentar religiosa - constituída por evangélicos e católicos - teme a clonagem humana, e os estudos com células-tronco buscam desenvolver novas células a partir da clonagem. O objetivo, porém, segundo os pesquisadores brasileiros, não é reproduzir seres humanos, mas sim encontrar tratamento para enfermidades ainda sem cura, como câncer, mal de Parkinson, doença de Alzheimer e diabetes.
"Somos favoráveis à clonagem terapêutica (com finalidade de cura), mas deve haver um limite. O corpo tem potencial rico em células pluripotentes, de origem não embrionária. Nenhum argumento vai nos convencer de que não há risco na clonagem humana. É como navegar sem instrumentos adequados. Podemos pensar que o fundo é plano, quando na verdade é um poço no qual iremos nos afogar", alega o deputado Vieira.
Liberalismo
Já o médico Marco Segre, professor de bioética da Faculdade de Medicina da USP, acredita que os ingleses, que inauguraram o primeiro banco de células-tronco, estão à frente do resto do mundo. "Os ingleses são os mais avançados em termos de liberdade para essas pesquisas. São menos amarrados a dogmas e preconceitos de religião. Acho extremamente louvável. Se puder haver importação de células-tronco embrionárias, será muito interessante", comenta.
Segre também acha que outros países caminham na mesma direção e que, em breve, outros bancos de células-tronco embrionárias surgirão. "São mudanças que vão sendo incorporadas aos poucos. No início, houve muita resistência ao transplante de órgãos. Tudo o que é novo assusta, as pessoas pensam que o homem está brincando de ser Deus. Mas depois, cai a resistência. Se não fosse assim, a medicina não teria razão de ser", diz o médico.
A lei inglesa é uma das mais liberais em pesquisas com células-tronco embrionárias. Considera que até o 14º dia de desenvolvimento, o óvulo fecundado ainda não é um embrião, mas sim um pré-embrião. A partir do 15º dia, surgem os primeiros indícios do sistema nervoso, então o embrião já não pode mais ser manipulado. Nos EUA, estudos com os embriões são permitidos, mas não com recursos do governo.
O banco inglês é mantido pelo Instituto Nacional para Padrões e Controle Biológicos, em Hertfordshire. A instituição já recebeu dois depósitos de linhagens desenvolvidas na Inglaterra: a primeira veio do King's College London, da capital inglesa, e a segunda, do Center for Life, em Newcastle. Os embriões foram doados por pacientes submetidos a tratamentos para fertilidade.