Pós-graduandos questionam política de fomento e
atrasos nas bolsas da Capes
O
recente atraso no pagamento das bolsas da Coordenação
de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes)
abriu uma discussão sobre a maneira como é feito o
repasse de verbas aos pesquisadores e também levantou questões
sobre os rumos da política de fomento da agência à
pós-graduação no Brasil. Os debates tem tido
alguma repercussão na mídia, especialmente no Jornal
da Ciência (JC e-mail), da SBPC, e levou as associações
de pós-graduandos a mobilizarem-se em torno da questão.
O problema parece difícil de ser resolvido, pois está
relacionado à falta de dados concretos e à burocracia
por parte de algumas das instituições envolvidas.
A
polêmica envolvendo a concessão de bolsas de pós-graduação
iniciou-se em novembro do ano passado, quando o então presidente
da instituição, Marcel Bursztyn, declarou que não
haveria reajuste dos valores a serem pagos em 2004. A justificativa
dada foi a falta de verbas, que teria que ser suprida com um aumento
de pelo menos 30% do orçamento disponível. No início
de 2004, o (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico
e Tecnológico (CNPq) reajustou em 18% o valor das suas bolsas,
apoiado por uma suplementação orçamentária
aprovada pelo Congresso Nacional. Isso gerou uma defasagem das bolsas
da Capes em relação às do CNPq, o que nunca
tinha ocorrido anteriormente.
Logo
em seguida, após a nomeação de Tarso Genro
para o Ministério da Educação e a mudança
na presidência da Capes, a equiparação em relação
ao CNPq foi anunciada, porém sem nenhum acréscimo
no orçamento da instituição. Tal fato foi antecedido
da seguinte mensagem, publicada no portal da agência: "O
presidente da Capes, informou que vai divulgar, nos próximos
dias, a distribuição da cotas de bolsas para os programas
de pós-graduação, referentes ao ano de 2004,
que prioriza as áreas acadêmicas e, especialmente,
as engenharias e áreas tecnológicas para acoplar a
formação de recursos humanos à política
industrial do governo".
O
episódio gerou duas críticas imediatas. A primeira
está relacionada ao atraso no pagamento da bolsa, exatamente
no mês em que o reajuste foi anunciado. Houve várias
manifestações de bolsistas de diversas instituições
de ensino superior do país no JC e-mail. A maioria deles
manifestou, inclusive, que os atrasos são freqüentes.
Para Tatiana Pavão, coordenadora da Associação
de Pós-Graduandos da USP, o episódio revelou uma realidade
que a associação não conhecia, pois, na USP,
o atraso restringiu-se ao pagamento do mês de abril: "Neste
momento, começamos a conviver com algo que, nas outras universidades,
é comum, além das inúmeras informações
conflitantes entre a Capes, a Pró-Reitoria de Pós-Graduação
da USP e das outras instituições de ensino superior
do país", afirma.
Segundo
Eduardo Duzzioni, doutorando em física da Universidade Federal
de São Carlos (UFSCar), o problema chegou a gerar uma lista
de discussão na Internet, visando mapear a dimensão
do problema. O pesquisador explica que os atrasos também
ocorrem, principalmente, porque o dinheiro é enviado primeiramente
à instituição onde o aluno está matriculado
e, posteriormente, repassado à sua conta pessoal. Isso significa
que o dinheiro pode passar por três ou quatro instâncias
até chegar ao bolsista. No caso da USP, esse processo envolve
o Banco do Brasil e o Banespa, mediante autorizações
da Pró-Reitoria de Pós-Graduação e da
Capes.
Para
Tatiana Pavão, no caso do mês de maio, a diferença
de tempo entre o depósito no Banco do Brasil e a chegada
na conta dos bolsistas, no Banespa, chegou a oito dias, sendo que
o montante da verba atinge alguns milhões de reais, o que,
segundo ela, leva a crer que os bancos ganham duas vezes segurando
o dinheiro das bolsas. "Os mesmos alunos que esperavam suas
bolsas também tinham dívidas variadas (cartão
de crédito, cheque especial etc.) com os mesmos bancos envolvidos
na transação", afirma. A pós-graduanda
completa que, no caso da USP, a Pró-Reitoria de Pós-Graduação
responsabilizou os bancos pelo atraso e informou que tomará
as devidas providências para minimizar esses prazos, porém
isso pode ser prejudicado pela greve recentemente deflagrada pelas
universidades estaduais paulistas.
A
Capes pronunciou-se a respeito dos atrasos das bolsas por meio de
uma carta do Diretor de Programas, Roberto Bartholo, também
enviada ao JC e-mail. No documento, Bartholo nega que os atrasos
sejam freqüentes e afirma que o problema ocorreu apenas em
relação ao pagamento do mês de maio. Catarina
Neves, assessora de imprensa da agência, também informou
que será disponibilizado, na primeira página do site
da Capes, a partir da semana que vem, um link com todas as transferências
efetuadas pela agência a cada instituição de
ensino superior, contendo as datas e o número do documento
bancário. Questionada sobre a possibilidade de repassar o
dinheiro diretamente ao bolsista, como faz o CNPq, a assessora mencionou
que a agência prioriza o apoio institucional, por isso transfere
o valor das bolsas e das taxas de bancada (verba complementar dada
ao bolsistas para fins específicos) às pró-reitorias
de pós-graduação ou similares.
O
segundo ponto polêmico em relação à Capes
está relacionado ao anúncio da entidade de priorizar
as áreas de engenharias e tecnológicas. As associações
de pós-graduandos, no entanto, não sabem precisar
exatamente quais áreas foram prejudicadas na concessão
de bolsas de 2004, mas existem alguns dados preliminares que demonstram
preocupação. Foi o caso da Faculdade de Educação
da Unicamp, que perdeu 18 das 55 bolsas atribuídas em 2003,
mais de 30%, sem justificativas claras.
Com
relação à priorização das áreas
de engenharia e tecnológicas, a assessora de imprensa da
Capes não informou quais áreas ou programas sofreram
cortes, apenas afirmou que o número total de bolsas concedidas,
mesmo com o reajuste de 18%, foi maior em relação
ao ano passado. Os recursos que possibilitaram tal medida, segundo
a Capes, são oriundos de um "reordenamento orçamentário
interno". Outra informação dada pela agência
é que a concessão de bolsas de mestrado e doutorado
no país para este ano ainda não está concluída,
pois estão sendo analisados recursos enviados por diversas
instituições de ensino superior do país.
Para
André Helene Frazão, coordenador da Associação
de Pós-Graduandos da USP, o problema reside em uma indefinição
da agência federal em sua política de pós-graduação:
"Se realmente a Capes, ligada ao Ministério da Educação,
está apoiando as engenharias e a tecnologia, não estaria
ocorrendo uma sobreposição de instituições?
Esta não seria uma função mais apropriada ao
CNPq, ligado ao Ministério da Ciência e Tecnologia?",
questiona. Ele conclui que não é possível afirmar
se isso é realmente uma diretriz de planejamento "ou
apenas um ensejo de planejamento, pois não há dados
disponíveis a respeito".