Universidades e governos seguem caminhos diferentes na questão ambiental
Crescem a cada ano a demanda e a criação de cursos interdisciplinares e de meio ambiente avaliados pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), órgão ligado ao Ministério da Educação (MEC). Em 2004, dos 22 mais novos cursos de mestrado e doutorado recomendados pela Capes, oito são multidisciplinares e, entre eles, seis (75%) são da área ambiental. No entanto, esta não é uma área que tem sido priorizada pelo atual governo. A questão ambiental está fora da pauta de política pública, de acordo com especialistas de três universidades: Universidade de Brasília (UnB), Unicamp e USP.
Nos últimos seis anos, a área multidisciplinar foi a que mais cresceu no meio acadêmico, segundo Marcel Bursztyn, professor da UnB e ex-presidente da Capes (na função até fevereiro de 2004). Dentro da interdisciplinaridade, o estudo do meio ambiente cresce duas vezes mais que as outras áreas, com percentual de 20 a 24% ao ano, enquanto os demais cursos de especialização têm crescimento anual de 12%. A área ambiental também é a que tem maior demanda. Há sempre mais alunos que vagas, ao contrário dos demais, onde normalmente sobram bolsas.
Paradoxalmente, embora aumente o número de pessoas capacitadas para atuar no setor, a questão ambiental ainda não foi colocada em pauta pelo governo, dizem os especialistas. Bursztyn, por exemplo, acredita que, antes de haver o crescimento dos cursos, seria necessário definir as políticas ambientais para então se investir na formação corretamente.
"Os cursos são fundamentais, mas é preciso também buscar formas de cooperação entre os atores econômicos, sociais e políticos", defende Pedro Jacobi, professor da USP e presidente da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ambiente e Sociedade (Anppas), que inicia seu segundo encontro nacional hoje em Indaiatuba (SP).
Outra crítica bastante recorrente entre os profissionais da área ambiental é o fato do governo negligenciar a problemática urbana na questão ambiental. "Cidade também é meio ambiente", lembra o professor da UnB, também organizador do livro Ciência, ética e Sustentabilidade (disponível na Internet).
No Brasil, 80% da população vive nas cidades, segundo o IBGE, e boa parte dela não tem acesso à água tratada, esgoto e coleta de lixo.
"A maior parte dos políticos não vê que o crescimento econômico e as injustiças sociais estão diretamente relacionados a tudo que os ambientalistas estão apontando", lamenta Daniel Hogan, pró-reitor de Pós-Graduação da Unicamp. Segundo ele, os partidos políticos brasileiros têm uma percepção limitada da questão ambiental, que nunca é prioritária. Assim, falta apoio do governo ao Ministério do Meio Ambiente, como nos governos anteriores.
"Nós, que lidamos com meio ambiente, lutamos para que a questão ambiental entre na agenda política, porque ela não é apenas um problema de multiplicação de informação e de educação ambiental, mas é também de decisão política", pontua Jacobi.
Avaliação
Presidida hoje por Jorge Almeida Guimarães, a Capes fará entre julho e agosto deste ano a avaliação dos cursos já existentes de pós-graduação em todo o Brasil. A qualidade é avaliada a cada três anos, quando são levados em consideração fatores como produção científica, número e qualificação de orientadores, número de estudantes, teses e tempo de conclusão de curso, nos últimos três anos. O processo envolve mais de 500 professores e pesquisadores convidados para avaliarem os mais de três mil cursos espalhados pelo país.
Depois de um mês, todos os cursos recebem conceitos que vão de 1 a 7. Os melhores, com reconhecimento internacional, recebem entre 6 e 7. Os programas entre 3 e 5 estão entre razoável e bom. Abaixo de 3 não são recomendados pela Capes e seus diplomas são considerados inválidos.
Na área ambiental, as avaliações da Capes têm sido ruins. A maioria dos cursos fica abaixo da média 4 e nenhum ainda obteve a nota máxima (7). Mas da mesma forma que a Coordenadoria analisa os cursos, seu método de avaliação tem sido objeto de críticas. A principal delas é o fato dos avaliadores não terem formação na área e não considerarem a relação sociologia e ecologia. "Os cursos de meio ambiente reivindicam pessoas do ramo para os avaliar", diz Marcel Bursztyn.
Doutorado Ambiente e Sociedade
Buscando a interdisciplinaridade, o Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais (Nepam) e o Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp criaram o curso de doutorado em Ambiente e Sociedade, que está com inscrições abertas até 4 de junho. Leila da Costa Ferreira, coordenadora do curso, acredita que falta ao governo um ponto de vista que relacione ambiente e sociedade, que é a proposta do curso. "O governo se limita à visão da conservação dos recursos, e meio ambiente não é só isso", afirma. Na opinião da ecóloga e socióloga, a esfera da política pública não se articulou nessa direção, como aconteceu dentro das universidades.
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