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Orgulho e exclusão social caracterizam
a vida dos moradores de Ouro Preto

Viver numa cidade que possui a condição de patrimônio histórico e artístico nacional e da humanidade significa experimentar um paradoxal sentimento de orgulho e de exclusão social. Essa é a conclusão da antropóloga Tânia Fedotovas Lopes, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp, numa pesquisa que privilegiou o ponto de vista da população moradora da cidade mineira de Ouro Preto.

Ao mesmo tempo em que desempenham o papel de anfitriões e zeladores da cidade, tendo o turismo como a principal fonte de renda, os moradores de Ouro Preto - principalmente os que residem nos morros distantes do centro histórico da cidade - enfrentam problemas que não passam nem perto das propagandas turísticas oficiais. Uma dicotomia entre a "cidade-patrimônio" e a "cidade-comum" caracteriza a concepção de cidade da população local.

Segundo as entrevistas realizadas pela pesquisadora desde 1996, os moradores de Ouro Preto acreditam que as verbas destinadas à conservação dos monumentos são mal aproveitadas e deveriam ser destinadas às carências da população, representada como uma classe baixa, de desprezível poder aquisitivo material e simbólico. A concepção oficial de patrimônio histórico e cultural faz pouco sentido para a população local. Evidência disto seria a utilização, pelos moradores, do termo "patrimônio" para se referirem ao escritório do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) na cidade. "Longe de ser seu espaço de experiência e identidade, o 'patrimônio' é um organismo técnico que, de fora, interfere em suas vidas negativamente", afirma a antropóloga.

Sobre este ponto de vista, Lopes lembra que "não cabe ao Iphan proporcionar à população de Ouro Preto a infra-estrutura básica, como saneamento, emprego, educação, moradia e saúde. Há uma confusão de papéis entre o que seriam as atribuições do Iphan e as atribuições da Prefeitura, do Estado e do Governo Federal". A pesquisadora acredita que o Instituto acaba se tornando uma espécie de "bode expiatório das mazelas da cidade", tanto por parte dos moradores quanto da prefeitura.

Neste contexto, Lopes salienta que não houve um trabalho junto à população de sensibilização para a importância da preservação do patrimônio da cidade. Os moradores, por exemplo, se acham injustiçados em relação às regras para reforma e construção de seus imóveis, previstas no plano diretor do município. A obediência de tais regras resulta em um alto custo de manutenção das fachadas e características dos imóveis dentro das especificações do Iphan. "Este é um dos motivos pelos quais a população local se sente tão prejudicada em relação ao seu poder de decisão no que concerne aos seus imóveis", afirma a pesquisadora.

Tradições
Nesta situação marcada por disputas e conflitos, os moradores de Ouro Preto acabam recriando sua maneira de se relacionar com a "cidade-patrimônio". Dois eventos que fazem parte do calendário religioso e turístico são destacados por Tânia Lopes enquanto rituais nos quais a relação cotidiana da população com a cidade se transforma: a Semana Santa e o Carnaval.

As cerimônias que ocorrem durante a chamada Semana Santa - missas, procissões e encenações da paixão de Cristo - levam os moradores às praças e aos adros das igrejas também consagrados pelo roteiro turístico, fazendo com que significados de fé e atração turística se imbriquem. O acervo das igrejas tal como as esculturas de Aleijadinho tornam-se mais significativos para os moradores, na medida em que o ritual do feriado revela publicamente parte do acervo tombado. "O patrimônio sai dos museus; o barroco, visitado e exposto em mostras internacionais, como uma das formas representativas da arte nacional, vai às ruas na forma de símbolos religiosos", afirma a pesquisadora.

Mas a transformação na relação com a "cidade-patrimônio" não se resume ao acervo religioso. Diz respeito também à memória da cidade que é construída, cotidianamente pelos moradores, nas suas relações sociais. "Através dos blocos e escolas de samba os moradores recuperam a cidade e se vêem como incluídos, com o direito de construírem e recriarem suas memórias para além daquela guardada pelos bens tombados. Trata-se, também, de uma forma de reivindicarem o seu direito de uso do espaço público", conclui Lopes.

A relação da população local com o turismo e uma contextualização histórica do processo de tombamento da cidade estão presentes na dissertação de mestrado intitulada "Ouro Preto: o drama social do direito ao patrimônio", defendida, em abril, no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp.

Atualizado em 19/05/04
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