Grupos de primatas com mais fêmeas
podem ser mais pacíficos
Estudar o comportamento dos animais, principalmente aqueles que vivem em grupos (chamados de "sociais"), gera muita curiosidade e uma inevitável tentação de comparação com os seres humanos. Mas até que ponto é possível estender a análise de um comportamento animal para o entendimento do comportamento humano? Um estudo publicado no mês passado na revista internacional Plos-Biology procura compreender a transmissão de comportamentos em um grupo de primatas não-humanos marcado pela presença de mais fêmeas que machos e indicar quais as possíveis implicações para o entendimento da transmissão de culturas no homem.
O estudo foi realizado no Quênia com um grupo de babuínos, da espécie Papio anubis, por pesquisadores da Universidade de Stanford (Califórnia, EUA) e do Museu Nacional do Quênia. Geralmente, os estudos em primatologia (estudo dos primatas: macacos, chimpanzés, babuínos) enfocam a transmissão de tecnologias (como o uso de ferramentas) ou de formas de aquisição de comida. Neste caso, o desafio foi procurar compreender a transmissão de uma cultura específica, vista pelos pesquisadores como mais pacífica que a usualmente encontrada em babuínos. Uma cultura relacionada com toda a estrutura e atmosfera social do grupo estudado.
O estudo teve dois momentos, o primeiro entre 1982 e 1986 e outro entre 1993 e 1998, acompanhando o mesmo grupo de babuínos. Em 1986, ocorreu um surto de tuberculose que eliminou do grupo os machos mais agressivos e alterou a população, que passou a ter mais fêmeas que machos. O comportamento dos machos que restaram no grupo foi considerado mais pacífico que o comportamento de machos de outros grupos, fato que continuou posteriormente: no segundo momento da pesquisa (1993 a 1998), as observações indicaram que os comportamentos dos machos continuavam os mesmos que em 1986, mais pacíficos que o comum, mesmo não tendo nenhum dos machos da época. Todos os machos presentes no grupo a partir de 1993 haviam nascido no mesmo ou se juntado a ele após 1986.
Essa maior passividade foi observada a partir das relações entre os machos dominantes (que foram considerados mais tolerantes com os subordinados que em outros grupos) e os subordinados (que apresentam menos indicadores fisiológicos de estresse). Em parte, o fato pode ser explicado, segundo os pesquisadores, pela diferença no número de machos e fêmeas, já que as fêmeas continuavam em maior quantidade mesmo na segunda fase da pesquisa. Ou seja, em grupos de babuínos com uma maior proporção de fêmeas que machos, comportamentos mais pacíficos passam a ser mais aceitos e transmitidos por gerações que em grupos onde a proporção de machos é a mesma que de fêmeas. Para esses pesquisadores, as fêmeas é que passam aos seus filhotes e a novos machos que se juntam ao grupo uma maior aceitação de comportamentos pacíficos do que agressivos.
Os pesquisadores não resistiram à tentação de aplicar esse estudo para a compreensão do comportamento humano e sua transmissão. Para eles, a história humana é rica de exemplos que mostram que a mudança na proporção de homens e mulheres gera mudanças no grupo social em questão. Mas até que ponto o que se busca nesses estudos não é um reflexo do que se quer para a sociedade humana?
Para Patrícia Izar, pesquisadora do departamento de psicologia experimental da Universidade de São Paulo, estudos sobre comportamento social em primatas fornecem uma base para uma análise comparativa, mas é preciso cuidado para não se fazer uma comparação direta e simples. "Os estudos buscam padrões para responder a perguntas como quais as vantagens adaptativas de determinado comportamento, sempre tendo em mente o ambiente da evolução. É preciso lembrar que a maior parte da existência de nossa espécie ocorreu em um ambiente muito diferente do atual. O que se sugere é que nossos padrões comportamentais foram moldados nesse ambiente anterior. Pensando nessa linha é que podemos analisar o comportamento de outras espécies de primatas e fazer previsões para a nossa espécie", enfatiza.