Assentamentos podem gerar melhores
condições de vida
Os assentamentos rurais no Brasil tiveram efeitos positivos na vida das famílias beneficiadas. Os resultados refletiram-se em mais empregos, maior poder de compra, melhores condições habitacionais e alimentares e adesão à participação política. Essas são algumas conclusões da pesquisa "Os impactos regionais da reforma agrária: um estudo sobre áreas selecionadas", realizada pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro e pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. O trabalho deu origem ao livro Impactos dos Assentamentos - um estudo sobre o meio rural brasileiro, recém lançado na 18ª Bienal Internacional do Livro de São Paulo.
A pesquisa, realizada de janeiro de 2000 a dezembro de 2001, foi encomendada pelo Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural do Ministério do Desenvolvimento Agrário, que publicou a obra em parceria com a Fundação Editora Unesp. Os autores investigaram seis regiões brasileiras com alta concentração de assentamentos e elevada densidade de famílias por lote: sul da Bahia, entorno do Distrito Federal, sertão cearense, sudeste do Pará, oeste de Santa Catarina e zona canavieira nordestina. Ao todo, foram avaliados 92 agrupamentos em 39 municípios. Participaram da análise 15 mil famílias, assentadas de 1985 a 1997 pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).
O estudo revelou que para 91% dos assentados o acesso à terra melhorou a qualidade de vida. A partir das perspectivas criadas com a vida nos assentamentos, 87% acreditam que o futuro é promissor.
Empregos
Uma das conclusões que chamaram a atenção dos autores foi o aumento da oferta de trabalho verificada na região dos assentamentos. Segundo a socióloga Leonilde Medeiros, uma das coordenadoras da pesquisa, cada lote gerou em média três empregos, no próprio lote ou fora dele. As ocupações fora das unidades referem-se a atividades ligadas ao funcionamento do assentamento, como, por exemplo, comércio, construção, transporte e distribuição de merenda nas escolas do agrupamento.
"A composição da renda das famílias geralmente inclui trabalho no lote com atividades não agrícolas. Mas a maior parte vem mesmo da produção do lote, que representa, em média, 80% dos trabalhos gerados", acrescenta Medeiros.
O fato de a maior parte da renda estar ligada ao trabalho no lote é um dos argumentos que contrariam o conceito de "favelas rurais". O termo é usado, de forma pejorativa, para classificar os assentamentos como espaços de indigência, formados por pessoas não ligadas à agricultura.
"Cerca de 80% dos assentados viviam nas zonas rurais ou tiveram uma passagem curta por atividades urbanas", relata a socióloga. "Na zona canavieira, por exemplo, havia muitos assalariados que perderam o emprego nas plantações quando as usinas de álcool fecharam; no sul da Bahia, a maioria vinha das plantações de cacau; no oeste catarinense, 44% eram posseiros, parceiros ou arrendatários de terras. Apesar da diversidade, há uma característica comum de enorme instabilidade e precariedade, com falta de acesso à terra e de emprego".
Vida política
Medeiros reconhece que muitos assentamentos ainda convivem com uma situação de precariedade, observada na saúde, na educação e na infra-estrutura. Mesmo assim, 62% das famílias entrevistadas disseram que seu poder de compra aumentou e 66%, que sua alimentação melhorou. Os assentados produzem gêneros com boa aceitação no mercado, mas que também serve para uso próprio, como é o caso do feijão, do milho e do leite. Dessa forma, a própria atividade do lote melhorou a alimentação dos camponeses.
A condição de assentados possibilitou, pela primeira vez, o acesso ao crédito. Antes, 93% das famílias nunca haviam obtido financiamento. Outro reflexo é que a necessidade de se unir para conquistar direitos como escola e saúde estimulou os trabalhadores rurais a participar ativamente da vida política.
"As associações nos assentamentos tornam-se um espaço de disputa, o que aumenta a participação e a percepção da necessidade de reivindicações. Isso também gera um processo de formação de lideranças. Há casos de assentados que se tornaram vereadores ou até prefeitos. Isso é muito positivo. Não podemos considerar apenas os aspectos econômicos dos assentamentos. Devemos levar em conta também as possibilidades de inserção social e política", lembra Medeiros.
Bairro Reforma Agrária
Os resultados da pesquisa confirmam achados de outros trabalhos sobre assentamentos, feitos com grupos específicos. Um deles é o da geógrafa Larissa Bombardi, que baseou sua dissertação de mestrado, concluída na USP em 2001, no Bairro Reforma Agrária, localizado entre Valinhos (SP) e Campinas (SP). O assentamento, formado na década de 60, é um dos mais antigos do Brasil. O estudo constatou que as famílias beneficiadas tiveram um ganho econômico significativo e aumento do nível educacional das gerações posteriores.
"Os assentados têm um nível de conforto muito bom, com uma renda satisfatória. A maioria tem carro, telefone, televisão. Todos os filhos das famílias pioneiras têm 2o grau completo, e uma boa parte deles fez faculdade. Algumas famílias chegaram a enriquecer", comenta Bombardi.
A pesquisa da geógrafa também deu origem a um livro, intitulado O Bairro Reforma Agrária e o processo de territorialização camponesa. Os assentamentos analisados por ela, entretanto, seguiram uma legislação anterior, em que as famílias tiveram um prazo de 15 anos para pagar os lotes.
Segundo Bombardi, o agrupamento é mais um exemplo de que a política de assentamentos tem impacto positivo na sociedade. "O Bairro Reforma Agrária deve ser entendido como a expressão de que o campesinato não é devorado pelo capitalismo, não desaparece com ele; em vez disso, é também por ele possibilitado", afirma a pesquisadora em um trecho do livro.