Ministérios brasileiros divergem quanto à redução do consumo de açúcar
A Organização Mundial de Saúde (OMS) propôs em fevereiro deste ano a "Estratégia Global para Alimentação Saudável, Atividade Física e Saúde" que prevê entre outras coisas a diminuição do consumo de açúcar. A Assembléia Mundial de Saúde submeterá à votação, em 17 de maio, um documento a ser encaminhado aos governos e que inclui propostas para que combata doenças como obesidade, diabetes e outras doenças relacionadas aos hábitos alimentares. Apesar do prazo, o governo brasileiro ainda está estudando como chegar a um consenso, já que os Ministérios da Saúde e da Agricultura defendem interesses aparentemente conflitantes. O Brasil é o maior produtor de açúcar, devendo produzir neste ano cerca de 24 milhões de toneladas deste produto.
O grupo de trabalho brasileiro, formado por representantes da Casa Civil e dos Ministérios da Saúde, Agricultura, Desenvolvimento, Relações Exteriores e Reforma Agrária, tem até o próximo dia 12 para elaborar seu documento. "Estamos programando reuniões com o Ministério da Saúde para ver qual é a posição formal do Brasil em relação a isso", diz Ângelo Bressan Filho, diretor do departamento do açúcar e do álcool do Ministério da Agricultura.
A campanha mundial quer incentivar governos a adotarem políticas que ajudem as pessoas a mudarem o estilo de vida. "A proposta da OMS não é simplesmente diminuir o consumo do açúcar. É uma ação muito mais profunda e responsável que visa melhorar os hábitos alimentares, estimular a atividade física, desta forma prevenindo doenças e melhorando a saúde da população. Se não houver participação do governo, estas metas não serão atingidas", declara Henrique Suplicy, vice-presidente da Associação Brasileira para Estudo da Obesidade.
A estratégia traçada pela OMS inclui maiores impostos e políticas de preço para que o consumo de açúcar seja reduzido no mundo. "Não vejo como países podem criar impostos sobre o consumo de açúcar. Mudar hábitos alimentares criando impostos, não me parece viável inclusive do ponto de vista político. Seriam decisões muito antipáticas para os consumidores, será que o mundo fará isso?", questiona Bressan.
"Interesses econômicos não devem ter precedência sobre a saúde e o bem estar da população", enfatiza Suplicy, lembrando que a obesidade isoladamente causa a maior mortalidade em relação a outras doenças, além de acarretar inúmeras doenças que podem levar à morte, como é o caso da diabete tipo 2, hipertensão arterial, doenças coronariana, doença cérebro-vascular e vários tipos de câncer.
De acordo com a OMS, a obesidade atingiu proporções epidêmicas desde o final do século passado: são 300 milhões de pessoas consideradas clinicamente obesas no mundo e outras 750 milhões estão acima do peso ideal. Dentro desta população seriam cerca de 22 milhões de crianças com idade inferior a cinco anos, de acordo com informações de Mary Bellizzi, especialista da Força-Tarefa Internacional da Obesidade. No Brasil, a obesidade infantil passou de 3% para 15% nas últimas duas décadas, segundo mostrou um estudo publicado pela Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabolia.
Economia
Desde 1990, o Brasil está entre os dez maiores produtores de açúcar do mundo, alcançou a primeira colocação na safra 2002/2003, quando produziu 22.380 mil toneladas. O país exporta 60% do açúcar que produz, devendo exportar 15 milhões de toneladas nesse ano. O Estado de São Paulo, maior produtor nacional de cana-de-açúcar, detém quase metade das 300 usinas e destilarias que compõe atualmente o setor de açúcar e álcool no Brasil.
Para Ângelo Bressan Filho, imputar o açúcar sem que haja critérios bem definidos de como isso deve ser feito não interessa ao país. "Se o mundo passasse a se comportar de acordo com o que está sendo previsto pela OMS, o consumo de açúcar poderia cair em torno de cinco milhões de toneladas por ano, o que traria um efeito econômico forte que poderia eventualmente criar sérios problemas nas áreas de cana-de-açúcar, que utiliza muito trabalho na colheita", diz Bressan que também informa que a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) posicionou-se contra a medida da OMS por alegar não haver pesquisas científicas que confirmem suas afirmações.
Para o vice-presidente da Associação Brasileira para Estudo da Obesidade, países que não concordaram com a Estratégia da OMS no início do ano - como Estados Unidos, Brasil, Índia, Ilhas Maurício - não perceberam que, em médio e longo prazo, tornará a população mais saudável, resultando na diminuição do uso do sistema de saúde.