Urnas eletrônicas podem não ser seguras
Adotada em 100% do processo eleitoral brasileiro nas últimas
eleições, a urna eletrônica está causando
crescente desconfiança entre os eleitores dos EUA. Ativistas
de direitos civis reclamam da existência de conflitos de interesses:
os políticos que concorrem nas eleições são
muito próximos dos proprietários das empresas que
fabricam as urnas. Ao mesmo tempo, informáticos descobriram
falhas graves nos códigos de gestão das urnas e os
técnicos reclamam que os sistemas eletrônicos propostos
não permitem a recontagem dos votos, que não são
impressos. Paradoxalmente, de acordo com alguns especialistas, urnas
eletrônicas baseada em software livre, com código aberto,
poderiam ser mais seguras.
A
empresa responsável por produzir a maior parte das urnas
eletrônicas brasileiras, a Diebold-Procomp (cujo executivo-chefe,
Walden O'Dell, é um dos captadores de recursos da campanha
de George W. Bush), foi acusada nos EUA pela insegurança
de seus sistemas. A revista Multinational Monitor, que anualmente
elege as corporações mais criminosas do mundo, a colocou
como número 5 no ano de 2003, dada a insegurança de
seus sistemas eleitorais. Na polêmica eleição
presidencial de 2000 - que elegeu George Bush mesmo sem que este
tivesse a maioria dos votos - as máquinas da Diebold instaladas
no condado de Volusia, formado por apenas 412 eleitores, contabilizaram
"menos 16.022 votos" para Al Gore, enquanto Bush recebeu
2.813 votos. O porta-voz da Diebold, David Bear, declarou à
revista Wired
que o erro "foi logo identificado e os votos foram recontabilizados".
Em 2001, Bev Harris, autora do livro BlackBox Voting ("Voto
Caixa-Preta"), disponível online,
encontrou na internet o código-fonte (as linhas de código
brutas) do software dessas urna, no próprio site da Diebold,
em uma área que deveria estar protegida e restrita. Com o
código em suas mãos, Harris contatou a equipe de Avi
Rubin, na Universidade Johns Hopkins, que descreveu o sistema como
"tão vulnerável que você não precisa
inserir um código malicioso para fraudar uma eleição".
Os pesquisadores encontraram, escrito no próprio código,
a chave (uma senha mais complexa) para a quebra da proteção
criptográfica do sistema.
Raízes
no Brasil
A Diebold está em terceiro lugar no mercado norte-americano
de informatização das eleições. E é
a primeira no mercado de caixas eletrônicos. Mas a entrada
da empresa no mercado eleitoral começou pelo Brasil. Em 1999,
ela comprou a Procomp - que também produz caixas eletrônicos.
No ano seguinte, ela ganhou a concorrência pública
(no valor de US$ 107 milhões) para produzir as urnas brasileiras.
Das mais de 400 mil urnas que foram usadas nas últimas eleições
brasileiras, 355 mil foram produzidas pela Diebold-Procomp. O restante
foi produzido pela Unisys, que sub-contratou a empresa baiana Tegra.
Somente em 2002, a Diebold entrou no mercado dos EUA comprando a
Global Election Systems.
Tanto
o hardware como o software usados na urna brasileira foram concebidos
pelo Tribunal Superior Eleitoral. Dois sistemas operacionais rodam
nas urnas. As mais antigas, a maioria, rodam o VirtuOS, um
derivado do antigo DOS, as mais novas rodam Windows CE,
uma versão mais compacta do sistema operacional que monopoliza
o mercado de software. Antes das eleições, técnicos
dos partidos, após assinarem um termo de sigilo, têm
o direito de ler o código dos sistemas operacionais e do
aplicativo desenvolvido pelo TSE. Mas isso é feito num tempo
extremamente exíguo: cinco dias, inviável para a leitura
de milhares de linhas de código. "Talvez isso pudesse
ser feito em cinco anos, tomando por exemplo experiências
alheias de validação de software que seguem padrões
internacionais", ironiza o professor de Ciência da Computação
da Universidade de Brasília, Pedro Antonio Dourado de Rezende.
A
eleição de 2002 foi marcada pelo uso, em municípios
menores, de um sistema de impressão do voto. O sistema causou
um aumento das filas, mas, segundo a lei, seria adotado em todas
as urnas nas eleições de 2004. No ano passado, entretanto,
a lei foi alterada e o voto impresso foi substituído pela
certificação digital. Um dos motivos alegados para
o fim do voto impresso foi o seu custo, que poderia chegar a R$
350 milhões.
O
caso australiano
A experiência mundial mais promissora para aliar a segurança
do sistema com a agilidade na contabilização dos votos
vem da Austrália e funcionou pela primeira vez em 2001, em
Canberra. O sistema, mesmo desenvolvido por uma empresa privada,
foi regulamentado e fiscalizado, garantindo uma ampla auditoria
do software e a possível recontagem manual a partir de votos
em papel, uma das maiores exigências dos "ativistas do
voto". Assim como o software da urna dos EUA produzido pela
Diebold, o programa da urna australiana está disponível
na internet, mas não por descuido da empresa e sim porque
o software é aberto, que roda em Linux, um software
livre. Milhares de desenvolvedores em todo o mundo já examinaram
o software a ajudaram na solução de possíveis
"furos": "quanto mais gente olhando o código,
melhor, maiores são as chances de serem encontrados erros",
afirma Rubens Queiroz, analista de sistemas da Unicamp. Além
disso, a urna australiana imprime todos os votos em papel - como
o sistema brasileiro começou a fazer mas desistiu. No caso
de dúvida, basta recontar os votos.