Faltam metas para evitar contaminação
de plantações convencionais
O projeto de lei de biossegurança, aprovado em fevereiro
na Câmara dos Deputados autoriza o cultivo e a comercialização
da soja transgênica até a safra de 2005. Alguns especialistas,
no entanto, alertam que a medida pode colocar em risco a preservação
de lavouras convencionais, caso não haja um minucioso controle
de todas as técnicas utilizadas nas plantações
geneticamente modificadas. O país ainda precisa adequar seus
armazéns, transporte e profissionais a esta realidade, para
minimizar contaminações por transgênicos.
"O
essencial é a limpeza periódica dos equipamentos de
manejo e colheita", disse Dirk Maier, professor da Purdue University,
Estados Unidos, durante o "Seminário Internacional em
Logística Agroindustrial", realizado dia 19 de março
na Escola Superior de Agricultura "Luiz de Queiroz" (Esalq/USP),
em Piracicaba-SP.
Maier
sugere que o potencial de contaminação poderia ser
minimizado através de um sistema de gerenciamento da qualidade
de grãos e sementes, em conjunto com a utilização
de práticas agrícolas mais eficientes. Para garantir
que não haja contaminação durante o escoamento
da produção, seria necessário organizar o transporte
de insumos agrícolas em tipos, evitando intercalar caminhões
de soja transgênica, por exemplo, com os de milho convencional.
"Devido ao risco imprevisto de contaminação,
pode acontecer de alguma carga convencional ser rejeitada"
afirma William Wilson, da North Dakota State University, "já
houve grandes perdas com isso nos EUA", ressalta.
Os
estabelecimentos de armazenagem de grãos também são
um dos grandes facilitadores da contaminação. Se nesse
momento os secadores e exaustores não forem utilizados de
modo correto, diferentes produtos agrícolas poderão
se misturar. "Hoje há uma maior rotatividade nos armazéns
devido à diminuição do tempo de colheita"
diz José Ronaldo Quirino, coordenador geral da Caramuru Armazéns.
"É preciso readequar os equipamentos disponíveis
e fazer treinamento de funcionários", afirma. Pedro
Sérgio Beskow, Secretário de Programas Empresarias
e do Agronegócio, da Companhia Nacional de Abastecimento
(Conab) acrescenta que "os armazéns devem ter sistemas
de termometria e aeração adequados, mas no Brasil
isso não acontece".
Para
resolver esse problema o governo prepara uma série de normatizações
para o setor, além de facilitar financiamentos para modernização
do parque armazenador, incentivar a capacitação profissional
e intensificar projetos de pesquisa.
Legislação
A versão aprovada da lei de biossegurança garante
que a liberação comercial de produtos transgênicos
no país seja precedida de avaliações de impacto
ambiental e de riscos à saúde, conduzidas por órgãos
que representam o Ministério da Saúde e Meio Ambiente.
Diz
a lei que quem construir, cultivar, produzir, transportar, transferir,
comercializar, importar, exportar ou armazenar organismos geneticamente
modificados (OGMs) sem autorização poderá pegar
pena de três anos de reclusão. No caso de produtores
de soja geneticamente modificada que causarem danos ao meio ambiente
e a terceiros, inclusive quando for resultado de contaminação
por cruzamento, responderão pela indenização
ou reparação integral do dano.
Mohamed
Habib, diretor do Instituto de Biologia da Unicamp, acredita que
se houver contaminação de OGMs em lavouras convencionais,
parte da responsabilidade pelos danos também caberia à
empresa que vendeu sementes transgênicas ao produtor. "Antes
da aprovação do plantio e comércio de transgênicos,
seria necessário que todo esse processo tivesse passado por
audiências públicas", explica.
No
Brasil, a legislação não prevê o pagamento
de royalties por agricultores de plantações
convencionais que venham a ser contaminadas por lavouras transgênicas.
"A lei não está clara" afirma Mohamed, mas
"é preciso que o produtor que sofreu contaminações
seja indenizado", enfatiza.
Entre
os casos de contaminações mais conhecidos, está
o do agricultor canadense, Percy Schmeiser, que foi condenado
a pagar indenizações que chegam a US$ 716 mil
à Monsanto, que alegou não ter recebido o pagamento
de royalties pela canola plantada. O fato é que Schmeiser
nunca utilizou sementes geneticamente modificadas, mas alega
ter tido sua plantação contaminada pela polinização
de culturas vizinhas. Ele ainda conta com um último
recurso jurídico a ser julgado neste ano.
No
final de 2003, houve contaminação de plantações
de milho nativo no México, por milho transgênico
plantado nas proximidades. A denúncia, feita por camponeses
e organizações não governamentais, alerta
para o fato do país ser o centro de origem e diversidade
genética desta cultura, que é uma das mais importantes
para a alimentação local e mundial.
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