Por Paula Gomes
Recurso que alia a linguagem verbal e visual para transmissão de informações, o infográfico começou a se popularizar no jornalismo norte-americano na década de 1980. No entanto, sua utilização para a comunicação científica é bem mais antiga.
O explorador austríaco Alexander Von Humboldt é mundialmente conhecido como um grande descobridor, desvendando desde o funcionamento dos vulcões e correntes marinhas até a interferência do homem nas mudanças climáticas. Não fosse pouco, ele também foi percursor na utilização de um dos mais poderosos recursos de transmissão de informação: a infografia.
Muitos cientistas já se aventuraram por essas terras gráficas no passado. E é justamente por isso que a paternidade e a maternidade da área é, até hoje, objeto em disputa. Alguns dos concorrentes são: o engenheiro escocês e economista William Playfair (1759-1823), que foi o primeiro a usar gráficos de pizza, de barra e de arestas, em 1786; a enfermeira e jornalista Florence Nightingale (1820-1910), que criou os diagramas polares; o pesquisador e artista Fritz Kahn (1888-1968), cujos desenhos exploravam metáforas visuais (como a da fábrica) para explicar o funcionamento do corpo humano; e o designer gráfico alemão Otto “Otl” Aicher (1922-1991) que desenvolveu a linguagem dos pictogramas, elementos figurativos que resumem ideias e conceitos.
Diferentemente de Playfair, Nightingale, Kahn e Aicher, Humboldt era, além de pesquisador, um explorador. Em suas primeiras viagens, entre 1799 e 1804, passou por regiões onde hoje são Equador, Venezuela, México, Peru, Cuba e Colômbia. Atento a tudo, estava cada vez mais convencido de que tudo o que observava na natureza, plantas, rochas, rios e o próprio homem, atuavam de maneira integrada e interligada. Para ele, um problema tão importante quanto chegar nos lugares inóspitos era o de como representar, da maneira mais completa possível, tudo que via. Se a natureza era um organismo complexo, com diferentes formas, tamanhos e cores que se inter-relacionam, seria mesmo a escrita, que encadeia informações de maneira sucessiva e não simultânea, a melhor forma de representá-la?
Em busca de uma nova linguagem que pudesse melhor representar a relação entre os elementos da natureza, Humboldt, inspirado pelos gráficos econômicos de Playfair, desenvolveu uma ilustração do monte Chimborazo, no Equador, em 1802. Ao propor uma ilustração vertical da montanha, em vez de uma representação topográfica vista de cima, foi possível detalhar as zonas de vegetação presentes em diferentes altitudes, entre outros parâmetros que lhe interessavam, como umidade, tipo de solo, presença de eletricidade, animais e temperatura.
Em outra ilustração, Humboldt traça regiões no mapa mundi que estão na mesma linha meridional e, assim, poderiam apresentar as mesmas condições climáticas. A essas regiões, que ele chamou de “isotermas”, foram atribuídas cores diferentes, criando um mecanismo que facilitava a visualização.
Segundo o pesquisador em letramento digital da UFMG, Francis Arthuso Paiva, há dois principais tipos de infográficos: o que utiliza imagens naturalísticas e o que usa topologias. “O primeiro, por exemplo, pode trazer uma imagem mais realista de um dinossauro, a partir do qual há legendas e outros textos explicativos. Esse tipo de visualização tende a ter mais receptividade do leitor, uma vez que há uma escala humana de entendimento. Já o segundo são gráficos, com suas topologias de espaço com barras, colunas e linhas, ou seja, são imagens que representam informações não intuitivas. O leitor precisa inicialmente compreender sobre o que se trata, para saber o que a largura da barra ou o comportamento da linha significam”, explica. Nos exemplos anteriores, a ilustração do monte Chimborazo é naturalista, enquanto a das isotermas é topológica. Humboldt, portanto, dominava as duas técnicas que, na época, recebiam outros nomes, como “pinturas da natureza” e “mapas temáticos”.
A arte gráfica sai da ciência para entrar no jornalismo
Nessas experiências passadas, as funções dos gráficos e ilustrações eram ajudar na formulação das teorias, ou seja, um instrumento científico utilizado para compreender melhor os fenômenos e também garantir a transmissão da informação de maneira mais eficaz. O professor da UFRJ e autor do livro Infografia: história e projeto, Ary Morais, comenta que “Humboldt tinha um bom desenho figurativo, que ele associava à informação verbal para compor um trabalho que, na época, não era chamado infográfico porque o termo só apareceria dois séculos depois de seu nascimento. Para ele, era um jeito de escrever, um texto único, multimodal como são os infográficos. Um texto que combinava letra e traço de modo indissociável, não apenas referencial, mas sintático: há o lugar da letra e o lugar do traço na sentença”.
Com o tempo, os infográficos melhoraram bastante em termos gráficos e, com a internet, ganharam interatividade, sendo largamente utilizados também nos textos jornalísticos. Ajudam na divulgação de descobertas científicas, especialmente aqueles estudos que possuem diferentes etapas e processos, trabalham com elementos em escalas muito grandes ou muito curtas ou envolvem grandes distâncias.
Textos acadêmicos escritos por pesquisadores também fazem uso intenso de gráficos, mas seus estilos e estruturas são padronizados, havendo pouco espaço para criação e inovação. Isso acontece porque cientistas se comunicam quase exclusivamente com seus pares, em veículos que exigem uma linguagem própria e especifica, e jornalistas falam com a sociedade, “recodificando” o conteúdo em uma linguagem mais atrativa. “A redação de trabalhos científicos segue um padrão diferente daquela voltada para o público em geral, respeitando normas na forma e construções geralmente descritivas, sem muita preocupação com a “sedução” que deve estar presente no bom texto jornalístico. Quando presente nos textos acadêmicos, os gráficos também obedecem a determinados padrões que são adotados no meio científico, mas não no jornalismo”, detalha Ary.
O jornalista Fábio Marton, que foi editor da revista Superinteressante, afirma que a produção de um infográfico jornalístico sobre um estudo acadêmico idealmente precisa envolver jornalistas e artistas gráficos especializados, com experiência na cobertura de ciência e tecnologia, ou há o risco de informações importantes ficarem pelo caminho durante o processo. Porém, não vê esse pré-requisito sendo cumprido nas redações brasileiras, que contam cada vez menos com profissionais especializados em determinadas áreas.
Visualizando informações
Ainda que ao longo das décadas seja possível notar certo afastamento entre cientistas de determinadas áreas e as linguagens gráficas, em algumas áreas ambos tentam, de certa forma, caminharem juntos.
“Algumas áreas possuem alfabetização visual (ou letramento visual) maior, como engenharia ou medicina”, diz Francis Arthuso Paiva. Algumas revistas acadêmicas internacionais adotam os infográficos como recursos obrigatórios para a submissão de artigos, os chamados “visual abstracts” ou “graphical abstracs”, que substituem os tradicionais resumos de artigos acadêmicos. São guias rápidos para o leitor compreender do que se trata o artigo, mas não dispensam a leitura do mesmo.
A pesquisadora de comunicação científica do Laboratório de Estudos Avançados de Jornalismo (LabJor) da Unicamp, Germana Barata, aponta outro motivo para as áreas médicas adotarem os recursos gráficos com mais facilidade em suas publicações. “Elas têm um protocolo parecido de pesquisas, baseado em amostragem, grupo controle, dosagem de medicamento etc. Outras áreas, como as humanas, possuem diferentes metodologias de análise que demandariam a utilização de diferentes estruturas gráficas”, compara.
Essa falta de padronização poderia desembocar num problema frequentemente negligenciado na abordagem de infográficos, que é a questão da recepção. Francis Arthuso Paiva explica que é preciso treinar o leitor para compreender as informações dispostas neste tipo de linguagem. “O infográfico apresenta informações de um modo mais amigável para o leitor, isto é, sintetiza um volume maior de dados em apenas um texto explicativo. Isso é verdade, mas sem a competência para lê-lo, de nada adianta”.
O pesquisador afirma que as competências necessárias para ler um infográfico não estão sendo contempladas na educação formal. “Ler um texto verbal depende de competências que vão da alfabetização até saber relacionar informações de diferentes frases, parágrafos e textos como um todo. Já ler um texto como os infográficos depende também de uma alfabetização visual, até saber relacionar as informações visuais entre si e entre elas e as informações verbais. Na educação básica, não se ensina a ler o visual ou ainda é um ensino incipiente”.
Ary Moraes concorda que a educação formal privilegia a expressão verbal/escrita. “A escola formal trabalha o desenho como forma de expressão até o aluno aprender a ler e escrever. Quando isso acontece, o desenho fica restrito a aulas de artes e deixa de ser tratado como uma forma de expressão tão viável e possível quanto a escrita”.
Assim, apesar da prática de aliar as linguagens verbal e gráfica ter sido descoberta há mais de dois séculos, ainda há muito a ser explorado sobre o recurso e, principalmente, com ele.