Por Peu Araújo
Pensei em mil formas de começar esse texto, mil não, talvez umas três ou quatro para ser mais honesto com você que demonstra paciência em ler neste momento de pandemia, caos político, interno, externo e talvez interplanetário. Pensei, escrevi umas palavras, passei um café médio na cafeteira italiana que ganhei de um amigo ano passado – ele me deu também uma faca excelente – voltei, li e meti o dedo indicador no backspace para voltar à estaca zero.
Tentei de novo, escrevi mais meia dúzia de coisas, ouvi um mantra que ecoava do computador da minha companheira e voltei ao backspace. Tentei novamente mas a gravação do homem da mexerica ponkan, que vende 20 por apenas 5 reais, ocupou todo o espaço da minha atenção. E depois de algumas (podemos dizer muitas) distrações cá estou ainda no segundo parágrafo.
Uma das técnicas que costumo usar para me concentrar (não que alguém tenha perguntado) é colocar uma música tão barulhenta quanto a que ouço neste momento: “Deixa o Caos Entrar” e “Nós Somos o Veneno” (elas são curtas e não tocam simultaneamente antes que você acredite que escuto duas canções barulhentas ao mesmo tempo), da banda cearense de grindcore Facada. Nos estudos que não li, porque tava distraído nas redes sociais, não é comum associar grunhidos à concentração. Mas muitas vezes funciona comigo, principalmente em redações barulhentas ou numa casa com criança.
Sobre o que estávamos falando mesmo?
Foi mal, tocou a campainha do meu WhatsApp com alguma mensagem pouco importante que eu precisei ler naquele momento tirando todo o meu foco do que eu estava fazendo.
Para evitar mais distrações e eu conseguir entregar este texto no prazo estipulado pelos editores vou fazer uma lista (alguém que não me lembro quem, talvez o Nicky Hornby em Alta Fidelidade, falou que ajuda na memorização) das coisas que me distraem:
- Covid-19
- WhatsApp (e sua campainha)
- O quase obsoleto Facebook
- E-mails de assessoria de imprensa sem nenhum critério
- Notícias sobre pandemia
- Notícias sobre gente que ignora ou negligencia a pandemia
- Notícias em geral
- Ministério da Saúde
- Ministério da Educação
- Detetives do Prédio Azul (essa é pra quem pratica paternidade e maternidade)
- Aulas on-line da minha filha
- A música alta do vizinho
- O choro da filha do vizinho
- Os vizinhos em geral
- Os meus pensamentos sobre coisas aleatórias, como botar o lixo pra fora ou se ainda tem molho tahine com mostarda e mel
- Palavras como briefing, Design Thinking, Approach, premium, sinergia, disclaimer, workflow, double check, entre outras
- A transformação de palavras híbridas entre português e inglês com tradução em nossa língua como invitar, clusterização, startar e mais um monte de bullshit sem sentido
- Este texto
Há, segundo um estudo feito por mim mesmo baseado em minhas distrações diárias (talvez na universidade vocês não tenham noção disso, mas agora no mundo em que vivemos a prática do “umbiguismo” é o que rege o mundo, assim nos distraímos apenas com nossas caraminholas e não precisamos nos distrair lendo um livro de alguém), há pelo menos 1.325 distrações no dia de um cidadão médio, como eu ou você que, porque sei lá motivo, ainda está se distraindo com essas palavras que fui jogando nessa trilha que não levará a lugar nenhum.
Há também uma descontrolada sanha de pessoas (geralmente mais velhas) que insistem em dizer que os jovens não praticam mais o hábito sagrado da leitura. Mas não é bem assim, né queridos? Nós passamos tanto tempo de nossas vidas submersos em links e logins que diminuímos o ritual de sentarmos diante de nosso livro, mas se formos notar de perto, assim, bem de perto, a gente passa o dia inteiro lendo alguma coisa, mesmo que seja fofoca sobre a vida da Anitta.
Outra coisa importantíssima para mantermos nossa distração em dia em momentos amargos de pandemia são as reuniões on-line, videochamadas, o famoso Zoom, Meet, Teams, escolha seu aplicativo favorito. Passar duas horas em uma reunião dessas tem o efeito de transformar seu cérebro numa geleia Royal de framboesa. Ok, vou até colocar um link aqui para você se distrair e provar que eu estou certo em minha colocação, afinal é isso que fazemos hoje na internet, comprovamos que temos razão em tudo. Até no fato de não termos a mínima noção do que estamos falando.
Outro modo de ganharmos nossas discussões na internet é o grito, o despudorado refúgio dos idiotas para desqualificar seus opositores. É uma prática muito usada por quem tem poucos argumentos – e por presidentes em atividade. Usar CAIXA ALTA e EXCLAMAÇÕES!!!!!!!! vai te ajudar no diálogo com os que se distraem em redes sociais.
Bom, se você, por distração ou interesse, chegou até aqui eu gostaria muito de agradecer por sua atenção (ou falta de) neste breve, mas maçante, amontoado de palavras. E te digo também que minha falta de foco me trouxe até aqui e não tenho ideia de como vou terminar esse texto.
Talvez eu passe mais um café com a minha cafeteira italiana de segunda mão, faça a lista de compras para o mercado de amanhã (lembrar de lavar as máscaras), comece a maratonar uma série, atenda a moça da Nextel que tenta diariamente me vender um plano pelo qual não tenho interesse ou então vá tomar banho.
Não importa o quanto a gente tente ou se esforce, mas neste texto sobre distração teremos tudo menos um final digno de uma revista acadêmica. Sem desfecho e sem critério me despeço tal qual vira-lata caramelo que corre atrás da perna do motoqueiro que falava distraído ao celular preso entre seu rosto e o capacete. Focado na distração, focado em desfocar, atento apenas ao vão entre o trem e a plataforma.
Sobre o que estávamos falando mesmo?
Peu Araújo é jornalista, DJ, curador e pesquisador de música brasileira. Há 15 anos no jornalismo, trabalhou em redações como Vice Brasil, Veja São Paulo, R7, Placar, Viagem & Turismo e colaborou para Piauí, Rolling Stone, Brasileiros, Trip e Ponte. Recentemente fez parte da equipe de pesquisa da série documental “Em Nome de Deus”, da TV Globo, que conta a trajetória de João Teixeira de Faria, médium conhecido por “João de Deus” que cumpre pena (no momento, prisão domiciliar) por estupro. E-mail peuh.araujo@gmail.com