Além disso, pesquisas avançam e encontram um biomarcador sanguíneo que pode ajudar no diagnóstico precoce
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Eliane Comoli
Estima-se que cerca de 50 milhões de pessoas sofram de demência – síndrome crônica que afeta a memória, pensamento, comportamento e habilidade de executar tarefas diárias – de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS). O Alzheimer é responsável por até 80% dos casos. O número de pessoas com demência deve triplicar até 2050 e o de pessoas com Alzheimer deve acompanhar essa proporção. Hoje cerca de 1,6 milhões de pessoas são acometidas pelo Alzheimer no Brasil.
A suspeita de que a microbiota intestinal exerce alguma função no desenvolvimento da doença de Alzheimer existe há alguns anos entre a comunidade científica. Recentemente uma publicação na revista Journal of Alzheimer’s Disease confirmou que a correlação entre um desbalanço da microbiota intestinal e o desenvolvimento das placas amilóides no cérebro estão na origem da doença. Pacientes com Alzheimer têm menor diversidade microbiana intestinal, maior número de determinadas bactérias e queda de outros micróbios. A pesquisa aponta uma associação entre um fenômeno inflamatório detectado no sangue, bactérias intestinais e a doença de Alzheimer.
A microbiota intestinal produz substâncias que interferem nas funções cerebrais. A presença de proteínas com características pró-inflamatórias de bactérias foi observada nas placas amilóides e nos vasos sanguíneos no cérebro de pessoas com Alzheimer.
A β-amilóide é uma proteína produzida no cérebro, onde se acumula naturalmente, e parece ter função neuroprotetora. “A β-amilóide neutraliza um possível agressor encapsulando-o e inativando-o, porém, agressões repetitivas podem levar à sua disfuncionalidade e acúmulo demasiado sem remoção, resultando nos depósitos patológicos que formam as placas”, explica Vinícius Farias, psicogeriatra especializado pela Unifesp. O acúmulo anômalo de placas de β-amilóide bem como de emaranhados neurofibrilares de proteínas Tau foi identificado pela primeira vez no cérebro de um paciente com demência em 1906 pelo médico alemão Alois Alzheimer.
As placas de β-amilóide enfraquecem a comunicação e a plasticidade sináptica impedindo a formação e a recuperação de memórias, o que dificulta a recordação de acontecimentos novos. Já o acúmulo de emaranhados no interior do neurônio resulta na morte neuronal – inicialmente no hipocampo associado à memória e aprendizado. Com o avanço da patologia aumentam os sintomas severos incluindo desorientação, mudanças de humor e de comportamento; confusão sobre os acontecimentos, tempo e lugar; perdas mais severas de memória; e dificuldade de falar, engolir e andar. “A pessoa com Alzheimer tem dificuldade de reconhecer que tem esses problemas”, diz o médico.
Os biomarcadores e o diagnóstico do Alzheimer
O diagnóstico de Alzheimer começa pelos testes de cognição e funcionalidade, quando os exames laboratoriais são importantes para excluir outras doenças. Os parâmetros biológicos mensuráveis no sangue, urina e líquor – os biomarcadores – também são usados. Para o Alzheimer são as proteínas β-amilóide e Tau fosforilada. Porém, esses métodos, além de caros e invasivos, não estão disponíveis de forma padronizada com valores de referência confiáveis e validados. “Hoje a pesquisa se volta para marcadores de predição, medidos antes de os sintomas aparecerem e, assim, instituir-se medidas que protelem o desenvolvimento da doença”, explica Karina Braga Gomes Borges, docente do Departamento de Análises Clínicas e Toxicológicas da Faculdade de Farmácia da UFMG.
Uma publicação na revista Nature Aging aponta um biomarcador sanguíneo altamente preciso para a detecção do Alzheimer, a proteína Tau (p-tau217), cujos níveis aumentaram cerca de 7 vezes em pacientes de 60 a 80 anos com Alzheimer, 20 anos antes do início do comprometimento cognitivo.
A identificação desses biomarcadores no sangue é muito importante porque consegue predizer o desenvolvimento do Alzheimer em pacientes com comprometimento cognitivo leve e que ainda mantém a sua funcionalidade e sua autonomia.
Fatores de risco
O Alzheimer é um processo degenerativo que progride para a morte dos neurônios, gerando áreas inativas e afetando a funcionalidade cerebral; não faz parte do envelhecimento normal. A deterioração do cérebro significa um envelhecimento mais rápido do que o esperado para a idade. “No envelhecimento normal a diminuição da cognição mais leve não impacta na funcionalidade na vida da pessoa, já no Alzheimer há um impacto muito grande nas atividades do dia a dia, como tomar decisões, orientação e com o passar do tempo até atividades mais básicas como cuidar da própria higiene e se alimentar”, comenta o psicogeriatra Vinícius.
O maior fator de risco é o aumento da idade, sendo que a maioria das pessoas desenvolvem a doença acima dos 65 anos – Alzheimer esporádico. Nesse caso existe um componente genético importante, mas não determinante, sendo outros fatores de risco necessários para que a doença se manifeste. Já nos casos de Alzheimer familiar há um componente de herança genética que impõe em 100% a manifestação da doença e de forma precoce, em alguns casos antes mesmo dos 40 anos.
“É importante falar de fatores de risco porque é o que trabalhamos na prevenção dessa doença que ainda não tem cura”, enfatiza Vinícius. Uma publicação na revista científica The Lancet atualiza uma lista com 12 fatores de risco modificáveis, ligados ao estilo de vida, que representam cerca de 42% das chances de manifestar doenças demenciais como o Alzheimer.
Eliane Comoli é bióloga, mestre e doutora em neurociência pela USP, docente da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto-USP e cursou especialização em jornalismo científico no Labjor/Unicamp.