Desafios linguísticos dos imigrantes nos Estados Unidos

A proficiência em língua inglesa representa um dos maiores desafios para a população que migra para os Estados Unidos. A comunicação é essencial para o sucesso profissional e social no país de destino

Por Lívia Mendes Pereira

Um dos maiores obstáculos para quem muda para os Estados Unidos é o domínio da língua estrangeira, afinal, saber a língua oficial de um país é essencial para estabelecer a comunicação verbal, principalmente para conseguir um bom posto de trabalho e ter melhores condições como imigrante. O Brasil, porém, tem níveis muito baixos de proficiência em inglês – somente dois em dez brasileiros afirmam ter familiaridade com o idioma.

A cultura migratória do Brasil para os Estados Unidos se deu a partir da década de 1980, impulsionada pela crise econômica. Desde então, a emigração se tornou comum e cresceu consideravelmente. Em fevereiro deste ano, 2 milhões de brasileiros viviam no país, representando quase 43% dos que estão no exterior.

Mesmo com a grande diversidade de culturas que se estabeleceram nos Estados Unidos, a etapa linguística é fundamental para a rejeição ou a aceitação das pessoas. E ainda que o imigrante domine a língua, ele pode sofrer discriminação de ordem política, social, cultural ou econômica, pois a relação entre idiomas estrangeiros e as habilidades social e culturalmente construídas são complexas.

O debate sobre migração é profundo, pois vai além da busca por melhores condições de vida – expressa também particularidades de classe, gênero, etnia e religião e é influenciado por alterações geopolíticas. A falta de domínio da língua alvo e o não pertencimento cultural atrapalham no empoderamento e na autonomia sociocultural dos imigrantes aprendizes, pois a linguagem media a construção identitária e a constituição de sujeitos críticos.

Christine Nicolaides, doutora em letras e professora aposentada do Departamento de Letras Anglo-Germânicas da Universidade Federal do Rio de Janeiro, atualmente leciona inglês na Poinciana High School, escola de ensino médio que atende uma porcentagem alta de imigrantes na Florida, Estados Unidos. Ela contou que muitos alunos que têm espanhol e português como primeira língua se sentem deslocados.  “Mexicanos, colombianos e brasileiros acabam criando grupos entre eles e arranjando trabalho entre si, então, não precisam falar inglês na maior parte do tempo”, comenta.

Diante de um sistema educacional que tem se tornado mais conteudista e fechado – especialmente agora no governo Trump – fica ainda mais difícil que os alunos imigrantes adquiram autonomia sociocultural e linguística. Remo Bastos, pesquisador da Universidade Federal do Ceará, lembra que o propósito essencial da escola pública é a formação dos jovens para o exercício da cidadania. Para isso, deveria prover um currículo balanceado, que inclua tanto disciplinas ligadas às ciências duras, como matemática, física e química, quanto às de humanidades e artes.

Aprendizado complexo

Atualmente, a maior parte dos imigrantes nos Estados Unidos são falantes nativos do espanhol, totalizando cerca de 41 milhões de pessoas, sendo a segunda língua mais falada no país. A maioria dos hispano-americanos são de origem mexicana e cubana, e a diferença de pronúncia entre as línguas inglesas e latinas faz com que o aprendizado do novo idioma seja um processo demorado. 

Como apontou Marcelo Custódio, pesquisador da Universidade Federal da Bahia, o sistema fonológico na língua espanhola apresenta apenas cinco vogais, enquanto a língua inglesa tem onze sons, podendo chegar a até vinte variáveis fonéticas, dependendo do sotaque de cada região. A complexidade em diferenciar os sons das palavras é apenas um exemplo das inúmeras dificuldades da aprendizagem vivenciadas.

Custódio conclui que diante de tantos obstáculos é compreensível que os imigrantes cobrem por uma legislação que os ajudem a assimilar a nova língua. A Limited-English-Proficiency (LEP), por exemplo, é uma lei federal que ampara os alunos com proficiência limitada. A lei diz também que nenhuma pessoa, independente de raça, cor ou origem, pode ser excluída das assistências financiadas pelo governo. Segundo dados do The Institute for Research in English Acquisition and Development, 28 estados financiam os programas LEP.

Segundo Christine existem cursos específicos de língua inglesa para imigrantes que não falam a língua e eles são acessíveis. “Os cursos cobram uma taxa pequena pelo semestre e não pedem documentação oficial. Mediante qualquer documento de identificação os imigrantes já conseguem acesso”, explica.

A barreira linguística, diante da diversidade, gera confrontos e dificuldades de assimilação étnica e cultural. Os grupos de imigrantes têm de se ajustar às situações vivenciadas e lutar por direitos. Muitos estudos sobre a temática mostram que as reconstruções identitárias são possíveis quando o estudo do idioma abarca um questionamento sócio-histórico-cultural.

Como concluiu Evelyn do Nascimento, pesquisadora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, a partir de seus estudos sobre autonomia e empoderamento sociocultural de imigrantes em países de acolhimento, as negociações ocorrem simultaneamente às reconstruções identitárias. Segundo a pesquisadora, é sim possível “empoderar e posicionar o aprendiz, a depender, é claro, do contexto em que se encontra e das oportunidades a ele oferecidas”.

Lívia Mendes Pereira é doutora em linguística (Unicamp) e especialista em jornalismo científico pelo Labjor/Unicamp