Por Mariana Ribeiro e Mayra Deltreggia Trinca
Definir essa fase da vida depende da associação entre aspectos biológicos, sociais e culturais e conceito não pode ser reduzido à puberdade ou apenas à transição da infância para a vida adulta.
No Brasil, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) compreende como adolescência o período entre os 12 e os 18 anos. Já a Organização das Nações Unidas (ONU) engloba na categoria pessoas entre 10 e 19 anos. O principal parâmetro para definição dessa fase são as mudanças ocasionadas nos corpos após a puberdade, quando os hormônios sexuais passam a agir, até o momento considerado como de desenvolvimento completo do organismo. Essa visão reforçou ao longo dos anos a ideia de que a adolescência é apenas um período de preparação para a vida adulta. Estudos mais recentes tentam mudar essa percepção, alargando as definições e contextualizando social e culturalmente essa etapa da vida.
Teresa Helena Schoen, docente em Assuntos Educacionais da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), explica que, embora os elementos constitutivos da adolescência sempre tenham estado presentes, somente nos séculos XIX e XX as mudanças na organização social, demográfica e cultural do espaço urbano permitiram o entendimento desse período como uma etapa distinta do desenvolvimento humano. “A industrialização e o movimento da população do campo para as cidades levou à maior concentração de pessoas. Isso permitiu a reunião de mais indivíduos da mesma faixa etária no mesmo espaço. Quem primeiro ‘percebeu’ a adolescência foram os educadores”, afirma.
O contexto de crescimento das cidades e aumento da relevância da educação formal favoreceu a identificação de características específicas das pessoas na segunda década de vida e deu força à ideia de grupo. “Antes mesmo de se definir a fase, foi observado que havia um grupo que era diferente de outros”, acrescenta.
Ao longo da história
No artigo “Adolescência através dos séculos”, Schoen afirma que o entendimento do período como um estágio de desenvolvimento foi oficialmente inaugurado no início do século XX, mas que há registros na literatura documentando características associadas ao grupo ao longo de toda a história. Isso pode ser verificado, por exemplo, em relatos sobre cerimônias de iniciação, discussões filosóficas ou textos literários. Assim, os componentes, sejam biológicos ou comportamentais, sempre se manifestaram, embora nem sempre tenham sido compreendidos.
O artigo menciona que Aristóteles, por exemplo, descreveu os jovens, no século IV a.C., como apaixonados, irascíveis e capazes de serem levados por seus impulsos. Santo Agostinho, no século V, abordou questões que considerava relevantes em relação aos jovens, como certa aversão à escola, sugerindo uma educação mais jovial, alegre, tranquila e com brincadeiras. Rosseau, no século XVIII, também sinalizou a identificação da fase, tratando o período como de maior instabilidade e conflito emocional.
Para além da puberdade
Ao longo da história, a ciência foi se interessando mais pelo período da adolescência e caracterizando-o principalmente pelas mudanças que ocorrem no organismo após a puberdade, com o início da produção de hormônios sexuais que levam a mudanças físicas e psicológicas. Esse discurso potencializou o estereótipo do período como um momento de crise e mudanças, no qual os jovens estavam se descobrindo e se preparando para uma nova fase: a vida adulta.
Pesquisadoras como Maria Sylvia de Souza Vitalle, também docente na Unifesp e especialista em saúde na adolescência, porém, defendem que esse período não seja visto apenas como uma fase transitória da infância para a vida adulta, mas como um ciclo de vida legitimado por si a partir do contexto sócio-histórico-cultural em que está inserido. Com isso, o referencial deixa de ser um adulto para ser um par, alguém de idade semelhante.
Esse deslocamento de olhar faz com que a adolescência seja compreendida como um momento mais complexo, com várias camadas que vão além das mudanças no organismo. É um período em que as representações sociais se tornam mais relevantes, as interações de grupo ficam mais estreitas e há uma busca por identidade. Mas cada pessoa passa por esse processo de uma maneira diferente, influenciada pela sua genética, seu contexto familiar e social, além do tempo histórico.
Maria Vitalle defende que todos esses aspectos devem ser levados em consideração. “Somos produto do nosso meio social, nosso entorno, onde o biológico é modulado pelas questões históricas e culturais. Dependendo de para onde se precisa colocar a lente, o olhar, se dá um olhar mais biológico ou mais social, ou mais cultural, mas são aspectos que se entrelaçam, não são dissociados”.
Para Schoen, a adolescência não deixa de ser uma transição, mas não como um “cursinho”, onde o indivíduo fica apenas revisando os mesmos conteúdos até seguir para a próxima etapa. “É uma transição no sentido de que o indivíduo entra de um jeito e sai de outro. Você entra com um status de ser cuidado e sai com o status de que pode proteger, cuidar”.
Desafios contemporâneos
Para Vitalle, um dos pontos que merece atenção no cenário atual são as mídias e redes sociais. É também através delas que os adolescentes vão se entender como indivíduos e como grupo, a partir da comparação entre pares. Entretanto, por estarem num momento em que ainda estão aprendendo a se posicionar no mundo, esse encontro da vida pública e privada necessita de cuidado.
“Sob supervisão, e a partir da compreensão que o adolescente é um experimentador, isto é, não tem ainda uma bagagem de conhecimentos que faça com que tome as melhores decisões, mas aprende com os erros e vai adquirindo aos poucos esta bagagem, é preciso que se exponha e participe da sociedade em que vive e dos recursos que ela promove”, afirma.
O próprio entendimento sobre a duração da adolescência tem se alterado no mundo contemporâneo. Isso levou à criação do conceito de “adultez emergente”, pelo psicólogo Jeffrey Arnett, para descrever a fase entre 18 e 25 anos. A juventude vem sendo descrita como um período cada vez mais longo, na esteira do aumento dos anos de estudo e postergação do casamento, embora não possa ser desconsiderado que há um recorte de classe nessa visão.
O aprofundamento das discussões sobre as definições de adolescência e seus significados biológicos, sociais e culturais é fundamental para a formulação de políticas públicas adequadas para diferentes grupos, defende Schoen. Isso significa criar um aparato capaz de lidar não só com as necessidades comuns dessa fase da vida, mas também com as individualidades de cada jovem a partir de seu contexto. Para ela, é importante que haja a compreensão científica do período, mas também a convergência com os direitos humanos.
Mariana Ribeiro é formada em jornalismo (Unesp) e cursa especialização em jornalismo científico (Labjor/Unicamp)
Mayra Deltreggia Trinca é formada em ciência biológicas (Unesp) e cursa especialização em jornalismo científico (Labjor/Unicamp)