Resultados contraditórios publicados em revistas científicas renomadas trazem à tona uma questão que era considerada resolvida
Sophia La Banca de Oliveira
A ideia de que nascemos com uma quantidade fixa de neurônios no cérebro e que esse número só diminui com o passar do tempo imperou por muito tempo. Alguns estudos começarem a questionar esse paradigma a partir da década de 1960. Na década de 1990, com o desenvolvimento de técnicas mais avançadas de detecção de proliferação celular, que hipótese de que a neurogênese – a formação de novos neurônios – continua no cérebro após o nascimento passou a ser aceita. Logo, a noção de que neurônios eram criados no hipocampo, uma região do cérebro envolvida na formação de memórias, tornou-se a dominante na comunidade científica.
Em março de 2018 essa discussão ganhou um novo capítulo com a publicação de um artigo na revista Nature. Nele, o grupo de Arturo Alvarez-Buylla, que participou da descoberta do nascimento de neurônios em roedores e pássaros, afirma que, diferente do que ocorre nesses animais, a criação de neurônios no hipocampo de humanos diminui no decorrer da infância até parar após os 7 anos de idade. Menos de um mês após a publicação desse artigo, um grupo de pesquisadores liderado por Maura Boldrini, da Universidade de Columbia, publicou um estudo na revista Cell – Stem Cell, contradizendo o achado e afirmando que a criação de neurônios se mantém estável por toda a vida. Com isso, o debate entre a existência de neurogênese no cérebro de adultos foi reaberto.
De acordo com o professor Walace Gomes Leal, do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal do Pará, diferenças nos métodos explicam os resultados contraditórios: “No artigo publicado na Nature, o tecido foi obtido também de pessoas que tinham epilepsia crônica, o que pode influenciar na quantidade de neuroblastos no hipocampo. Já no artigo do grupo da Universidade de Columbia, eles tiveram o cuidado de usar tecidos de pessoas que não apresentavam desordens psiquiátricas, não usavam psicotrópicos, não tinham lesões vasculares ou doenças neurodegenerativas crônicas, condições que podem minimizar a neurogênese adulta humana”. Leal acredita que a metodologia utilizada pelo grupo de Boldrini apresenta resultados mais precisos: “Considerando os aspectos metodológicos, sugerem uma maior precisão dos resultados, fake rolex for men, favorecendo a existência da neurogênese humana”.
Alvarez-Buylla afirmou estar convencido de seus resultados, e alegou que o estudo de Boldrini apresenta “inconsistências que não apoiam suas alegações”. Para ele, os critérios utilizados no trabalho para que as células fossem classificadas como neurônios não são rígidos o suficiente, permitindo que muitas células fossem contabilizadas como neurônios sem, de fato, ser. Ele também afirmou estar escrevendo um editorial para a revista Cell na qual aponta algumas dessas questões.
Para Alvarez-Buylla o tamanho do cérebro do adulto é uma limitação para a neurogênese: “À medida em que o cérebro se torna maior, fica cada vez mais complicado levar os novos neurônios que se formam para o local em que eles devem estar”. Em um trabalho publicado em 2016, seu grupo comparou a neurogênese em adultos de várias espécies diferentes e confirmou que ela está presente, principalmente, em animais pequenos, como roedores e pássaros.
Maura Boldrini foi contatada para oferecer sua perspectiva sobre o assunto, mas não houve resposta.
Função dos novos neurônios
O hipocampo é reconhecido como uma área do cérebro essencial para a formação de memórias, o que leva muitos pesquisadores a pensar que a criação de neurônios nessa região estaria envolvida com esse processo. Pesquisas realizadas em camundongos geneticamente modificados para não possuir neurogênese mostraram que eles, de fato, têm um desempenho pior em tarefas que exigem alguns tipos de memória. Apesar disso, alguns pesquisadores afirmam que, mesmo em modelos animais, a relação entre neurogênese e memória ainda não está comprovada “Se a neurogênese está relacionada especificamente com a memória não está claro, ainda é uma hipótese. Ainda não sabemos o que essas novas células estão fazendo” afirma Alvarez-Buylla.
Leal explica que os novos neurônios no hipocampo de roedores também têm outra função, a chamada separação de padrões: “Se um jogador de futebol fez um gol de cabeça nos últimos três finais de semana, ele consegue diferenciar, na memória, cada gol que fez, apesar de todos terem sido feitos com a cabeça. Animais que tiveram a neurogênese adulta removida experimentalmente têm dificuldades de realizar testes comportamentais que exigem essa separação de padrões”. Mas ele faz uma ressalva: “Talvez no hipocampo humano os novos neurônios contribuam para a separação de padrões – mas ainda não está comprovado”.
Também já foi observado que existe uma diminuição no tamanho do hipocampo em pacientes deprimidos, mas a relação disso com a neurogênese também ainda não está clara: “Existem estudos que sugerem que a diminuição da neurogênese hipocampal pode fazer parte de quadros de depressão, mas isso tem que ser mais investigado”, diz Leal.
A possibilidade da formação de neurônios em outras regiões do cérebro também já foi levantada. A região do corpo estriado, por exemplo, possui uma função diferente do hipocampo, e novas hipóteses sobre a função que esses neurônios poderiam exercer também são levantadas: “As vias estriatais são importantes para sensações de prazer e recompensa em eventos como observar uma obra de arte, ou realizar um bom negócio e receber uma recompensa financeira. Esses atributos são inerentemente humanos, e é possível que a formação de novos neurônios estriatais seja importante para este fim” explica Leal.
O debate sobre o nascimento de novos neurônios no cérebro é importante para fins terapêuticos. Apesar de os testes não terem se iniciado nem em modelos animais, os pesquisadores já estudam as possibilidades: “Novos neurônios podem servir como estoque celular para substituir células perdidas durante doenças agudas e crônicas do sistema nervoso central, como acidente vascular encefálico, doenças Parkinson, Huntington, Alzheimer e outras”, completa Leal.