Sabine Righetti entrevista Ricardo Ogando, do Observatório Nacional
Experimentos verificam teorias dos cientistas sobre a natureza, a vida humana e o universo. Da mesma forma, a observação do eclipse de Sobral, no Ceará, há cem anos, feita por cientistas brasileiros e estrangeiros, ajudou a comprovar a teoria da relatividade de Albert Einstein. Isso aconteceu por meio da observação do desvio da posição de estrelas próximas ao Sol durante um eclipse solar.
Quem explica isso é o astrônomo Ricardo Ogando, do Observatório Nacional, no Rio de Janeiro, instituição que teve participação na observação de Sobral. De acordo com ele, cientistas brasileiros da área de astronomia têm participado de uma série de novos experimentos para comprovar teorias físicas. Ele próprio trabalha no projeto internacional DES (Dark Energy Survey, Levantamento de Energia Escura, em inglês) pesquisando a chamada energia escura, que compõe, estima-se, cerca de 70% do universo e que é tida como responsável pela expansão acelerada do universo.
Ogando falou com exclusividade para a ComCiência.
A observação do eclipse de Sobral, há cem anos, ajudou a comprovar a teoria da relatividade de Albert Einstein. Como exatamente isso aconteceu?
A teoria da relatividade geral de Einstein expande nossa compreensão da força da gravidade. Ela nos fala que corpos com grandes massas deformam o espaço-tempo, quanto maior a massa, maior a deformação. A consequência disso é que mesmo coisas sem massa, como raios de luz, podem ser desviadas por essas depressões no espaço-tempo, em geral representadas metaforicamente como o efeito de um peso em cima de um lençol esticado. Um eclipse solar é uma boa oportunidade para medir o efeito dessa alteração no espaço-tempo causada por uma grande massa, no caso, o Sol.
Durante o eclipse solar, como a Lua encobre o Sol, conseguimos observar as estrelas que estão aparentemente próximas a ele. Nesse alinhamento cósmico, os raios de luz emitidos pelas estrelas distantes sofrem um pequeno desvio ao passar próximo ao Sol. Se observamos a região do céu com essas mesmas estrelas à noite, quando o Sol está longe, podemos comparar suas posições com aquelas durante o eclipse e verificar se há realmente um desvio. O eclipse de Sobral, há cem anos, foi fundamental para medir esses desvios e comprovar esse novo conhecimento sobre a física do espaço-tempo.
Por que é importante ter experimentos desse tipo que comprovem teorias físicas?
Os experimentos verificam a teoria. Se eu crio uma teoria física em que uma das previsões diz que o céu é verde, obviamente tem algo bem errado com a minha teoria, pois sabemos que o céu é azul. Observar a cor do céu é um experimento relativamente fácil e me diz que tenho que melhorar minha “teoria do céu verde” ou abandoná-la e criar uma nova. A teoria da relatividade de Einstein fez muitas previsões e até agora tem acertado todas. Ela permitiu prever o desvio da luz das estrelas durante um eclipse solar, entender as propriedades de buracos negros, e a emissão de ondas gravitacionais – ambos observados recentemente pelos experimentos EHT (Event Horizon Telescope, ou Telescópio do Horizonte de Eventos) e Ligo (Laser Interferometer Gravitational-Wave Observatory, ou Observatório de Ondas Gravitacionais por Interferômetro Laser), que são experimentos bem mais complicados que olhar para o céu. Um detalhe é que, em astronomia, é frequente observarmos antes algo novo no universo e só depois elaborar uma teoria sobre isso, como por exemplo a expansão do universo e sua aceleração, causada pela energia escura, e a existência de matéria escura, que ninguém sabia que existiam.
Como foi a participação do Observatório Nacional na observação?
Além de prover suporte logístico aos astrônomos vindos da Inglaterra, astrônomos brasileiros também observaram a coroa solar, uma região super quente mas pouco densa que envolve o Sol e que está relacionada com sua atividade
Outras observações ajudaram a comprovar a teoria de Einstein – caso do eclipse solar na Austrália, alguns anos após a de Sobral. Por que é importante fazer várias observações para se afirmar uma teoria?
Quando vamos fazer algo que ninguém nunca fez antes na ciência, é natural haver um certo grau de desconfiança – ainda mais forte se o experimento causar uma revolução em uma determinada área, mudando nosso conhecimento acerca do universo. O astrônomo norte-americano Carl Sagan já dizia: “Alegações extraordinárias exigem evidências extraordinárias”, então é importante que uma teoria que iria jogar por terra a já consagrada gravitação universal de Isaac Newton fosse validada por vários experimentos antes de batermos o martelo sobre quem está certo.
Esse é um ponto muito discutido hoje em dia na ciência: a busca da reprodutibilidade ou a capacidade de uma experiência ser analisada por cientistas diferentes e testar se chegamos ao mesmo resultado. Se disponibilizamos nossos dados e métodos de análise – por exemplo, os programas de computador utilizados -, qualquer cientista ou grupo de cientistas deveria ser capaz de reproduzir nossos resultados, trazendo grande transparência ao processo de novas descobertas. Não somos perfeitos e, mesmo com todo o cuidado na análise, é possível que um cientista descubra que outro tenha esquecido de levar em consideração algum ponto.
Por que a observação foi feita no Brasil, especificamente em Sobral?
O eclipse solar acontece durante um alinhamento entre Sol, Lua e Terra, projetando a sombra da Lua sobre um lugar da superfície terrestre. Essa localização depende de onde Sol e Lua se encontram no céu e vai correndo o globo terrestre, traçando um caminho. Localidades que estejam nesse caminho poderão observar o eclipse. Em maio de 1919, dois lugares foram escolhidos como destino de expedições pois tinham condições de observar o eclipse: Ilha do Príncipe (na África) e Sobral.
Recentemente, cientistas observaram ondas gravitacionais que também ajudaram na comprovação da teoria da relatividade de Einstein. Como essas diferentes observações se complementam?
Se uma teoria faz várias previsões e elas são comprovadas, ela fica fortalecida. Até agora, a teoria da relatividade tem acertado todas. Frequentemente, teorias alternativas à de Einstein acertam alguma coisa mas erram muitas outras, e então devem ser descartadas. Por exemplo, no caso das ondas gravitacionais, quando sua observação foi associada a uma colisão de estrelas de nêutrons, um processo extremamente luminoso conhecido como kilonova, e conseguimos verificar que havia uma diferença muito pequena de tempo entre a detecção da onda gravitacional e a detecção da kilonova. Certas teorias previam uma diferença muito grande tempo e, portanto, graças a essa nova observação, devem ser revisadas.
Quais são as principais observações que cientistas estão tentando realizar hoje em dia para comprovar propostas da física teórica?
Existem levantamentos do céu para observar a distribuição de milhões de galáxias e medir as propriedades da energia escura, como o DES (Dark Energy Survey, Levantamento de Energia Escura), com participação de cientistas brasileiros. A elusiva matéria escura é alvo de alguns experimentos para detectá-la. Finalmente, o Grande Colisor de Hádrons, o LHC, na Suíça, que descobriu o bóson de Higgs (responsável pela existência de massa das partículas), deve ganhar um sucessor.
Sabine Righetti é doutora em política científica e tecnológica pela Unicamp (2016), com passagem como pesquisadora visitante pela School of Education da Universidade de Michigan (Knight fellow, 2012) e pela Graduate School of Education de Stanford (Lemann fellow, 2017). É pesquisadora do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo da Unicamp e organizadora e coordenadora acadêmica do RUF – Ranking Universitário da Folha de S.Paulo. Assina a coluna on-line sobre educação e políticas de educação Abecedário, no mesmo jornal.