Da teoria à prática: como o Desafio Unicamp transforma tecnologias da Universidade em inovação

Principal competição de empreendedorismo da Universidade conecta pesquisadores, profissionais e sociedade, impulsionando a criação de startups e negócios sustentáveis

Por Adriana Arruda

Foto: Caroline Roxo – Inova Unicamp

O que é necessário para que uma tecnologia se torne uma inovação? Segundo o Manual de Oslo, da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), inovação é a implementação de um produto (bem ou serviço), processo, método de marketing ou método organizacional novo ou significativamente melhorado. Embora patentes e programas de computador garantam a proteção da tecnologia, não bastam para serem considerados inovação. É preciso que cheguem à sociedade – um caminho complexo que exige a colaboração de diversos atores, como cientistas, mentores, estudantes, empreendedores e investidores. Mas como reunir toda essa rede e estruturar um processo que extrapole os muros acadêmicos?

Foi com este propósito que, em 2011, surgiu o Desafio Unicamp, a maior competição gratuita de estímulo ao empreendedorismo e à inovação, realizado pela Agência de Inovação da Universidade Estadual de Campinas (Inova  Unicamp). Há 15 edições, a competição conecta pessoas de todo o país a oportunidades reais de transformar conhecimento acadêmico em negócios.

Os participantes, organizados em equipes – muitas vezes interdisciplinares –, desenvolvem modelos de negócios a partir de tecnologias da Universidade, protegidas com direitos de patente ou de registro de programa de computador. Atualmente, a competição contempla três categorias: Avaliação da Banca, Impacto Socioambiental (avaliadas por banca) e Voto Popular (com interação do público).

Ao longo dos anos, foram 3.319 inscritos, 809 equipes formadas e 4.441 pessoas capacitadas nos workshops de modelagem de negócios. O perfil reflete a diversidade do evento, que em 2024 apresentou 57,5% dos participantes com ensino superior em andamento; 13,3% já haviam concluído a graduação; 12,5% cursavam doutorado; 8,7% estavam no mestrado; 5% tinham ensino médio completo; e 3% estavam em estágio de pós-doutorado.

Também no ano passado, entre as áreas de conhecimento dos participantes, as engenharias lideram com 45%, seguidas pelas ciências sociais aplicadas (20%), ciências exatas e da terra (9%) e ciências da saúde e biológicas (8% cada). As ciências humanas representam 5%, enquanto linguística, letras e artes correspondem a 3%, e ciências agrárias a 2%.

Maratona de vivencias e aprendizados 

Durante a competição, os times passam por capacitações, workshops e mentorias nacionais e internacionais. Na segunda fase, os classificados recebem mentoria internacional e treinamento de pitch. “Cada etapa proporciona vivências que simulam obstáculos reais do mercado, desde questões comerciais até estratégias de marketing”, relembra Edylla Andressa Barroso, da equipe Sanitech, vencedora da categoria Avaliação da Banca em 2024.

O grupo, formado por integrantes dos estados de São Paulo e Ceará, de áreas como engenharia elétrica, engenharia de produção, administração e gestão de projetos, trabalhou com um material sustentável para secagem do lodo gerado em estações de tratamento de água (ETAs), utilizando uma técnica de desidratação. “O suporte da Inova foi fundamental para superar nossas dificuldades e concretizar o projeto. A competição teve efeitos duradouros em minha vida, pois hoje tenho uma empresa atuante em propriedade intelectual e modelagem de negócios. É como se eu estivesse ‘refazendo’ o Desafio diariamente – agora, para os meus clientes”, afirma Barroso.

Kátia Kishi, supervisora de comunicação da Inova Unicamp, área responsável pela gestão do Desafio Unicamp, explica que o acompanhamento contínuo é essencial para o desenvolvimento dos projetos. “Nosso objetivo é fornecer as ferramentas e o apoio necessários para que os participantes adquiram conhecimento e motivação para avançar em todas as etapas do processo. Muitos desses projetos têm o potencial para se tornarem startups reais de impacto socioambiental positivo”, destaca a supervisora.

Participantes do Desafio Unicamp 2019 em workshop presencial de modelagem de negócios. Crédito: Gabriela Neves. 

Da competição à criação de startups

O impacto do Desafio Unicamp se reflete nos casos de sucesso gerados a partir dele. A B.nano, equipe vencedora da categoria de Impacto Socioambiental em 2022, é um exemplo de como sua participação resultou em uma spin-off de sucesso, associada à Unicamp e à Unesp do campus de Sorocaba, interior do estado de São Paulo. A startup licenciou a tecnologia trabalhada durante a competição, que envolve um pesticida nanotecnológico à base de óleos essenciais, encapsulado para aumentar a eficácia e a durabilidade no campo.

“A invenção melhora a absorção do produto pelas plantas, reduz sua degradação e aumenta o tempo de ação. Isso amplia sua eficiência no controle de fungos, bactérias, insetos e ácaros, tornando-se uma alternativa sustentável para o agronegócio. A meta agora é validar os testes para escalar a tecnologia e disponibilizá-la no mercado, gerando impacto positivo para os produtores e para o meio ambiente”, detalha Anderson Pereira, um dos fundadores da B.nano.

Segundo Pereira, a participação no Desafio ajudou o time a mudar a mentalidade de pesquisador para a de empreendedor. Com isso, além de concretizar a abertura da empresa e a formalização de licenciamentos, a spin-off – instalada no Parque Tecnológico de Sorocaba (SP) – passou a oferecer serviços de caracterização e consultoria para otimizar a aplicação de tecnologias sustentáveis.

“Vencer o Desafio Unicamp definiu o DNA da nossa empresa. Foi um marco essencial para seguirmos com a startup, focando no desenvolvimento de tecnologias com impacto socioambiental positivo. Agora, a expectativa é que a B.nano seja uma referência em inovação no setor do agronegócio, aliando avanço técnico e sustentabilidade”, aponta Pereira.

Anderson Pereira, Estefânia Campos e Jhones Oliveira, sócios da B.nano, spin-off da Unicamp e da Unesp oriunda da participação da equipe no Desafio Unicamp. Arquivo B.nano

Além da B.nano, outras startups, como Rubian Extratos, atuante no setor de saúde e bem-estar, e Singular Seeds, especializada em qualidade de sementes, também emergiram a partir do Programa, evidenciando seu papel como catalisador da inovação.

Premiações que visam ao apoio financeiro e teórico para as empresas emergentes

A competição oferece premiações fixas e outras que variam a cada edição. A Inova Unicamp oferece um valor em dinheiro de 3 mil reais para cada integrante da equipe vencedora na categoria da Avaliação da Banca e, desde 2022, em parceria com a Fundação Educar, foi instituída uma nova categoria de premiação, a de Impacto Socioambiental, com o valor do prêmio também de 3 mil reais para cada membro da equipe.

Além disso, também é possível conquistar prêmios que visam a apoiar o desenvolvimento das startups, como o acesso a cursos e treinamentos (da FM2S), aceleração do negócio (com a empresa-filha da Unicamp Baita) e isenção da taxa de inscrição da Incubadora de Empresas de Base Tecnológica da Unicamp (Incamp). Em 2025, a competição também está como prêmio o envio de equipamentos de roteador de alta potência oferecidos pela Neger Telecom.

Pereira salienta a importância do apoio financeiro e teórico recebido na competição: “O capital inicial conquistado com a premiação e a aceleração com a Baita Aceleradora foram fundamentais para nossa evolução. Usamos essas bases até hoje para avaliar nosso modelo de negócio e garantir que estamos no caminho certo”.

Inclusão e oportunidades que abrem portas

O Desafio Unicamp vem intensificando suas ações de acessibilidade, visando à ampliação da participação de pessoas diversas. Em 2024, as transcrições de áudio foram substituídas pela interpretação simultânea em Libras (Língua Brasileira de Sinais) para todos os eventos da competição.

Além disso, desde 2022, a competição conta com pontuação extra para equipes que apresentam diversidade no perfil de seus membros, incluindo gênero, raça, nacionalidade e inclusão de pessoas com deficiência. “A proposta é permitir que um maior número de indivíduos tenha a oportunidade de participar e mostrar suas ideias”, reforça Kishi.

A diversidade de público e o alcance nacional, com o registro de inscritos das cinco regiões do Brasil, também foi conquistada pela mudança da competição do formato presencial para o on-line desde 2020.

Com um horizonte promissor, o Desafio Unicamp reafirma seu papel como ponto de convergência, espaço em que as ideias se materializam e as tecnologias ganham aplicação prática. Ao conectar conhecimento acadêmico, criatividade e colaboração, ele se estabelece como o berço de projetos capazes de mudar realidades, gerar impacto e abrir caminhos para um futuro mais sustentável e inovador.

Adriana Arruda é doutora e mestra em ciência, tecnologia e sociedade pela UFSCar, especialista em jornalismo científico pelo Labjor-Unicamp e graduada em Comunicação Social – Habilitação em Jornalismo pela Unesp.